Fabiano Porto

Sustentabilidade ou Morte. A humanidade entre a extinção e a regeneração

Por Fabiano Porto, Jornalista e cofundador do Instituto Regeneração Global |
| Tempo de leitura: 7 min

De uma coisa eu tenho certeza: todos que verdadeiramente se dedicam a investigar os impactos humanos no planeta e sua biodiversidade ficam impressionados. Seja pela abundância de dados e evidências sobre as consequências de nossas ações ou pela constatação da grande ameaça que nossa espécie representa para o nosso próprio futuro e para a vida na Terra.

Para ilustrar a magnitude desta ameaça, estudo publicado pela Universidade de Stanford em 2015 afirma que nos últimos 40 anos foram extintas metade de toda “vida selvagem” do planeta. Somente na floresta amazônica do Brasil é desmatada uma área equivalente a três mil campos de futebol por dia, segundo Imazon. 

Possivelmente, a maioria daqueles que investigam esses assuntos também chegam na mesma conclusão sobre a essência de toda insustentabilidade humana atual: o sistema econômico.

Desde o período da revolução industrial, iniciado em meados de 1760, nosso modo de produção se baseia em um modelo de desenvolvimento predatório e que ignora completamente os limites e capacidade de resiliência da natureza.

Vivemos em um modelo de desenvolvimento destinado ao colapso ambiental e social por simplesmente ignorarmos o fato de estarmos em um planeta finito. E a guerra que hoje volta a assombrar a Europa é apenas mais uma das consequências nefastas deste modelo que rege nosso mundo.

De acordo com dados da 5ª edição da Circularity Gap Report, panorama dos fluxos econômicos globais, elaborado pela Circle Economy, a economia mundial utiliza 70% mais recursos do que o planeta consegue repor com segurança, e transforma em lixo 91,4% de tudo o que produz.

E pasmem: estamos piorando na gestão de nossos resíduos. Em 2017, o índice de reaproveitamento era de 9.1%. Em 2021 foi de 8.6%. O uso de recursos também aumentou de 90 bilhões de toneladas em 2016 para mais de 101 bilhões em 2021. Construção civil, setor de alimentação e transportes são os setores que mais consomem recursos.

A busca pelo crescimento infinito, a crença de uma natureza inesgotável e o desenvolvimento baseado no resultado bruto (PIB) são as essências das causas que estão nos conduzindo à nossa própria extinção. Nosso modelo econômico está provocando ou acelerando a extinção de espécies, acidificação dos oceanos, branqueamento de corais, mudanças climáticas, aquecimento global, contaminações do solo e as outras diversas alterações alarmantes que mostram que precisamos urgentemente mudar nossos rumos de desenvolvimento.

A corrida global por uma economia sustentável

Apesar de questionável em eficácia e magnitude, é fato que existe atualmente um inédito consenso sobre a importância da transição para novos modelos de desenvolvimento que integrem o social e ambiental aos indicadores econômicos, e que especialmente atue na urgente missão de reduzir e neutralizar as emissões dos gases que provocam o aquecimento e instabilidade climática global.

Os governos também estão se movimentando para estimular um desenvolvimento mais sustentável e resiliente. Seja pelos US$ 2,3 trilhões de dólares anunciados no plano de estímulo econômico de Joe Biden nos EUA, nos € 750 bilhões de euros da União Européia em seu plano “NextGenerationEU” ou fundo chinês de US$ 233 milhões criado exclusivamente para financiar projetos de proteção à biodiversidade, multiplicam os exemplos de iniciativas do países e cidades adotando medidas em direção à sustentabilidade e conservação ambiental.

Como resumiu Denise Hills, Diretora Global de Sustentabilidade da Natura no evento ESG Expert da XP Investimentos: “A busca é por modelos que possibilitam distribuição de valor em toda a cadeia, que favorece o crescimento da empresa, retorno de investidores, mas também o desenvolvimento de comunidades locais, com preservação da cultura e estratégias de regeneração”.

Mas engana-se quem pensa que essa mudança se dará por consciência social ou altruísmo. Trata-se de uma transição benéfica também para a longevidade das empresas, que poderão ter mais chances de prosperar e crescer seus negócios.

Sem estabilidade climática não existe mercado consumidor, e por isso o modelo econômico precisará se adaptar. Como disse Larry Fink, CEO da BlackRock, fundo que gerencia 10 trilhões de dólares em investimentos: “Não é questão de justiça social. É capitalismo conduzido por relacionamentos mutuamente benéficos entre a empresa e os seus funcionários, clientes, fornecedores e comunidades nas quais sua empresa depende para prosperar”.

Além de movimentos globais como a Economia Ecológica e Capitalismo Consciente que trabalham nesta transição para um “novo capitalismo” mais sustentável, novos modelos econômicos começam a se tornar realidade. É o caso da chamada "Economia Donut", proposta pela economista de Oxford, Kate Raworth, que a cidade de Amsterdã anunciou sua implementação.

Este novo modelo estabelece dois círculos, gerando uma imagem que se assemelha a um “donut”: o círculo interno demonstra os critérios mínimos para uma vida humana com dignidade e o círculo externo os limites da natureza, que não podem ser ultrapassados por nenhum setor da economia. Todo modelo também está em sintonia com os 17 objetivos e 169 metas para o desenvolvimento sustentável da ONU.

Porém, para muitos, a transição para um modelo econômico mais sustentável só acontecerá quando novos indicadores de crescimento forem adotados e o PIB (produto interno bruto) for reavaliado como principal indicador econômico para medir desenvolvimento. Além de limitado, o PIB não considera nenhum aspecto socioambiental e nem distingue as atividades “boas” das “más”. Para exemplificar, a produção de cigarros, armas e até o tráfico de drogas favorecem o PIB tanto quanto a construção de escolas e hospitais.

A busca por novos indicadores de desenvolvimento levou a criação de metodologias como o IDH – Índice de Desenvolvimento Humano medido pela ONU, que deu a base para novos modelos. Uma delas é o Indicador de Progresso Genuíno (GPI), que propõe incluir na conta do PIB o impacto ambiental e custos sociais da produção econômica e do consumo, e leva em conta fatores como a distribuição da renda, exaustão de recursos, poluição e até diminuição do tempo de lazer e de vida útil de produtos.

Outra proposta de indicador econômico para desenvolvimento sustentável é o FIB (Felicidade Interna Bruta), oficialmente adotado pelo reino do Butão. Este indicador é composto por diversos critérios relacionada a saúde, meio ambiente, cultura, educação, e também uso do tempo e “bem-estar psicológico”, medido por um questionário individual aplicado a população.

Mesmo que os indicadores de sustentabilidade ainda não tenham força para “destronar” o PIB, cresce o entendimento de que os “serviços ecossistêmicos” que a natureza oferece gratuitamente deve ser considerado na economia.

Recentemente (2022), Um estudo da Universidade de Waterloo, no Canadá estimou que as zonas úmidas do sul de Ontário fornecem US$ 4,2 bilhões em serviços de filtragem de sedimentos e remoção de fósforo a cada ano, mantendo as fontes de água potável limpas e ajudando a mitigar a proliferação de algas nocivas e incômodas em nossos lagos e rios. A valoração dos serviços ofertados pela natureza tem atraído interesse e debates internacionais.

O mercado do “crédito de carbono” talvez representa a mais promissora proposta para integrar os recursos ambientais ao sistema econômico. A ideia de que é possível compensar o carbono emitido na produção comprando “créditos” de quem não polui abre um novo horizonte nunca visto na história econômica:

"Todas as empresas de todos os setores serão transformadas nesta corrida por um mundo de emissão zero”, ressalta Fink da BlackRock em sua carta. Atualmente, dos cerca de 41 bilhões de toneladas emitidas pela humanidade por ano (dobrou em 10 anos), cerca de 12 bilhões já são neutralizadas por ano, e este número irá crescer exponencialmente assim que for regulamentado o comércio global de carbono.


Todos estes movimentos indicam que está em curso uma transição para um modelo econômico mais sustentável. A questão em aberto é saber se terá a escala e a abrangência necessária para evitar os colapsos ambientais que estão sendo anunciados a décadas por cientistas.

Para Marina Grossi, presidente do CEBDS, grupo que reúne 60 grandes grupos empresariais, o movimento de renovação é inédito: “Em 40 anos que trabalho na área de investimentos nunca vi um chamado tão forte pela sustentabilidade e o desenvolvimento regenerativo como atualmente”. Ela também integra o grupo crescente de empresas, pessoas e entidades que pressionam por ações concretas, “já passamos da fase de sensibilização, é preciso escala”, ressalta Grossi.

Mas como agir para fortalecer essa transição para uma economia mais sustentável? Certamente há muitos caminhos, mas talvez nenhum seja mais importante que o proposto por Jean Case, Chairwoman da National Geographic Society e CEO da Case Foundation em sua palestra para a XP: “Não espere o cenário ideal, tenha iniciativa e comece hoje a fazer a diferença. É isso que nós temos vistos ser valorizados em diferentes grupos de investimento do mundo. O ponto é: comece”.

A urgência por ações e iniciativas concretas não são apenas para um novo modelo econômico, mas sim para uma escolha fundamental que irá definir o nosso futuro como civilização. Estamos entre o ecocídio e a regeneração. Entre a escolha de um mundo de colapsos ambientais e acelerado processo de extinção e um mundo onde novos modelos de desenvolvimento sustentável serão implementados globalmente. Qual futuro iremos escolher?  

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