
A Justiça apontou abusos e irregularidades cometidos na reintegração de posse do Pinheirinho, em janeiro de 2012, na região sul de São José dos Campos. Na época, cerca de 2.000 policiais militares participaram da ação, realizada em um domingo de manhã.
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Em ação movida pela Defensoria Pública desde 2013, a Justiça condenou o Estado de São Paulo, a Prefeitura de São José dos Campos e a massa falida da empresa Selecta a pagarem indenização de R$ 5 milhões, de forma solidária, pelo Pinheirinho.
A sentença de 38 páginas é da juíza Laís Helena de Carvalho Scamilla Jardim, da 2ª Vara da Fazenda Pública de São José dos Campos, em 19 de fevereiro.
Em resumo, o Estado foi condenado por causa da truculência da operação policial, a Prefeitura de São José por agir de forma discriminatória e segregacionista contra os moradores e a massa falida por não tomar providências para resguardar os bens dos moradores retirados do local.
A desocupação do Pinheirinho ocorreu em operação de reintegração de posse realizada em 22 de janeiro de 2012, autorizada pela Justiça, no terreno ocupado por famílias sem-teto na região sul de São José dos Campos.
Na época, Eduardo Cury (PL) era prefeito de São José e Geraldo Alckmin (PSB) comandava o estado de São Paulo.
O número de habitantes no Pinheirinho era estimado entre 6 mil e 9 mil pessoas, que começaram a ocupar a área abandonada em 2004.
Sentença.
A juíza de São José explicou que a condenação solidária determina que os três réus (Estado, prefeitura e massa falida) paguem o total de R$ 5 milhões conjuntamente.
De acordo com a sentença, os valores arrecadados deverão ser destinados a um fundo especial para a reconstituição dos bens lesados e que ainda será especificado pela Justiça.
Estado e o município ainda foram condenados a publicar a sentença condenatória em veículos de comunicação de massa.
“A medida é de grande importância para o caso concreto, haja vista que a ampla divulgação possibilitará a ciência do seu teor pelas mais de 1.700 famílias que fazem jus ao reconhecimento dos abusos perpetrados, razão pela qual deve ser deferida”, explicou a juíza na decisão.
A Justiça, contudo, rejeitou os pedidos da Defensoria Pública para implementação de políticas públicas para atendimento psicológico das vítimas, treinamento dos policiais militares voltados à estruturação de uma política de desocupação orientada pelo respeito aos direitos humanos, qualificação profissional dos desalojados e formulação de um plano de atuação municipal para desocupações multitudinárias. Negou também pedido de indenização material por danos ambientais.
Prefeitura.
Na ação, a Defensoria Pública disse que o meio escolhido pela prefeitura para desconstituir a comunidade pautava-se “no trato discriminatório com os moradores dos limites geográficos do Pinheirinho, bem como outras formas de constrangimento”.
Para o órgão, o intuito era “segregar estes moradores e posicionar opinião pública contra esta comunidade, forçando assim, de forma ilegítima, desintegração desta coletividade”.
“Ao que se infere dos autos, o poder público efetivamente lançou mão de retórica discriminatória e segregacionista dirigida aos ocupantes do Pinheirinho, como se pode constatar da imposição de negativa de acesso dos ocupantes da área a serviços públicos essenciais, vez que os sistemas de saúde e de ensino, por exemplo, passaram a não mais admitir cadastros com endereço Pinheirinho”, diz trecho da sentença.
A Defensoria ainda relatou que, logo após a desocupação, foi concedido aos ex-moradores do Pinheirinho benefício habitacional no montante de R$ 500, quantia inferior aos valores médios dos aluguéis cobrados no mercado, avaliado em R$ 800, portanto, “insuficiente para suprir a demanda habitacional”.
Outro lado.
Procurada, a Prefeitura de São José dos Campos se manifestou por nota sobre a decisão judicial e disse que vai recorrer da sentença. Leia o texto na íntegra:
"A Prefeitura de São José dos Campos recorrerá da condenação em danos morais, vez que os fundamentos postos na sentença para configurar o referido dano, tais como violação dos direitos humanos, não procedem com a realidade dos fatos, o que será demonstrado em recurso próprio", afirmou.
"Em relação às políticas públicas, a Prefeitura informa que o bairro Pinheirinho dos Palmares começou a ser implantado em 2016, em parceria com o Governo do Estado de São Paulo, com a construção de novas casas com melhores condições de moradia. De lá para cá, no bairro foram construídas creche e escola de ensino fundamental."
"A atual gestão do prefeito Anderson definiu, no plano de governo para o mandato de 2025-2028, a construção da nova UBS Resolve do Pinheirinho dos Palmares, nova unidade do Cras (Centro de Referência da Assistência Social) e do novo poliesportivo do bairro", completou.
Estado.
No caso do governo estadual, segundo a ação, houve “injustificado emprego de gás lacrimogêneo pelos policiais militares, dispersado através de helicópteros, contra a comunidade do Pinheirinho”.
A sentença também fala em “alvejamento dos moradores por balas de borracha logo após a saída de suas residências, sem que tenha sido apresentada pelo ente qualquer prova contundente a respeito de sua necessidade, como seria o caso, por exemplo, de comprovada e atual resistência agressiva por parte da população, ônus que cumpria ao poder público”.
“É certo que havia notícias de que a população iria resistir de forma agressiva ao cumprimento da ordem. Porém, reitero que o cumprimento da ordem se deu de forma precipitada, sem contar com a estrutura necessária à remoção dos pertences dos moradores e sem a mínima estrutura para o abrigamento da comunidade com dignidade; sem falar nos danos aos animais, que ficaram abandonados na área, sem comida e água”, afirmou a magistrada, que aponta “abuso de poder por parte dos policiais militares mobilizados para operação”.
A juíza cita “diversos relatos de violência física contra os ocupantes” e destaca que há, nos autos do processo, 23 exames de corpo de delito atestando escoriações, hematomas e outras sequelas nos então abrigados, além de violência verbal – 36% dos 466 entrevistados para o relatório do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana) narram ter sido vítimas de ameaças e xingamentos e indevida retirada pelos agentes dos seus identificadores nominais durante o ato de reintegração.
“Embora a ordem inicial de reintegração de posse tivesse contado com exigências prévias de recursos humanos e materiais, incluindo estrutura de enfermaria e vans para transporte dos ocupantes e de seus pertences aos abrigos, a liminar fora executada sem a sua disponibilização, contribuindo definitivamente para a maior exposição da população a riscos inadmissíveis, haja vista o contingente de aproximadamente 1.500 crianças e idosos no local.”
A Justiça aponta ainda que a desocupação se concretizou “sem resguardar os direitos patrimoniais dos ex-ocupantes”, que tiveram “pertences extraviados ou destruídos” – 86% deles não tiveram seus bens listados por oficial de justiça e 34% das residências foram demolidas com todos os bens móveis em seu interior.
A decisão ressalta ainda que não foi concedido “prazo razoável” à desocupação antes do emprego da força policial e “não foi permitido que a população tivesse contado com a assistência jurídica da Defensoria Pública e dos advogados do movimento social”.
“Os Defensores e Advogados foram em verdade impedidos de se aproximar do perímetro cercado pela Polícia Militar, de modo que a população não pode contar com a devida assistência jurídica”, escreveu a juíza.
Outro lado.
A SSP (Secretaria de Estado da Segurança Pública) foi procurada pela reportagem e se pronunciou por meio de nota. Leia o texto na íntegra:
"Os fatos foram devidamente apurados por meio de Inquérito Policial Militar instaurado pela Corregedoria da Polícia Militar e encaminhado à Justiça. Todos os procedimentos e abordagens da PM são analisados e revisados rotineiramente visando oferecer sempre o melhor serviço à população. Até o momento, o Estado não foi notificado sobre a decisão judicial. A Instituição ressalta, ainda, que as ações de reintegração de posse ocorrem somente por determinação da Justiça", afirmou a pasta.