
“Estamos vendo o fim do império americano, algo que será lembrado por gerações.” É desta forma que o economista e professor Richard Wolff define o momento global. Segundo ele, “a incapacidade de entender as dinâmicas econômicas do mundo moderno é o que está levando os EUA a cometer esses erros monumentais.” Mas quais seriam essas “dinâmicas econômicas” que ele se refere? Neste artigo buscarei tratar de algumas delas para melhor compreensão de nosso momento atual e como esta nova postura dos EUA irá afetar diretamente as nossas vidas.
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Os Estados Unidos, ao longo de sua história, sempre atuaram como os arquitetos de grande parte da ordem diplomática global. Desde a fundação da ONU até a criação da OMS, cujas bases foram moldadas com forte participação americana, o país se consolidou como uma grande liderança em temas de relevância mundial. Porém, 2025 começa com essa posição sendo rapidamente desmantelada pelas políticas e postura deste segundo mandato de Donald Trump.
Este posicionamento já está se concretizando com a saída dos Estados Unidos da OMS e de diversos acordos globais, em especial do Acordo de Paris, em um momento crítico de crises globais,além do boicote empresarial dos apoiadores do novo presidente às ações ESG, que buscam melhorias sociais, ambientais e de governança das empresas. E tudo isso acontece em um cenário, que nem mesmo as elites americanas previam: o processo de “desdolarização” do mundo com as nações emergentes crescendo e conseguindo oferecer uma alternativa econômica cada dia mais robusta, fazendo até as sanções econômicas dos EUA não surtirem efeito prático, vide exemplo da Rússia que além de resistir ainda está conseguindo se reorganizar economicamente com a guerra.
Ao se retirar deste papel diplomático global, os Estados Unidos renunciam à sua responsabilidade, abdicam voluntariamente do protagonismo histórico na condução de temas globais e geram fragilidade institucional e mercadológica, onde a lógica de impor sanções e novas tarifas acaba por não ter efeito prático, e ainda prejudicar a própria população americana com crescimento constante de preços. Mas talvez a maior consequência de todo este movimento seja a formação de umgigantesco vácuo de poder na liderança das questões mais urgentes da atualidade. As mudanças climáticas são evidentes para todos e se apresentam como a principal necessidade de cooperação global, e a saída dos EUA desta agenda ilustra essa desconexão americana com os interesses e dinâmicas econômicas do planeta.
As promessas atuais de Trump de incentivo à indústria do petróleo, o desmonte de políticas e acordos em comércio e sustentabilidade e o boicote às políticas ESG contradizem não apenas os compromissos assumidos anteriormente, mas também as iniciativas globais voltadas para evitar o colapso ambiental, alertado há décadas pela comunidade científica. Essa postura deixa o mundo mais vulnerável e vai na contramão da necessidade de liderança das nações mais desenvolvidas de inspirar e unir esforços em torno de soluções para a crise climática e o desenvolvimento sustentável.
Além disso, a retórica nacionalista e as tensões internas sobre imigração forçam o fechamento do país justamente em um mundo cada vez mais interconectado e interdependente. Embora ainda não existam restrições formais à presença de talentos estrangeiros no Vale do Silício, o ambiente de pressões e incertezascompromete a principal força inovadora dos Estados Unidos: sua capacidade de atrair as melhores mentes globais para desenvolver os projetos mais avançados e relevantes. Adotar uma postura hostil aos imigrantes em geral cria um ambiente nocivo para o convívio humano e ameaça comprometer a competitividade e o avanço tecnológico dos EUA que sempre foram orgulho nacional e símbolo de sua liderança global.
Enquanto isso, o vácuo deixado pelos Estados Unidos está sendo ocupado por outros atores globais, especialmente a China, que, apesar de suas grandescontradições e políticasautoritárias, investe de maneira agressiva em sustentabilidade e na transição energética. Os BRICS e todos os países emergentes, sendo os mais afetados, estão cada vez mais engajados em causas como o combate às desigualdades e a transição para uma economia de baixo carbono. Como consequência, serão atores crescentemente relevantes nesta nova dinâmica de poder internacional, isolando cada vez mais os EUA.
Nesse contexto, a crise climática e a reorganização da ordem mundial colocam em evidência o enfraquecimento da liderança americana. A nova geopolítica tem diante de si a oportunidade — e o desafio — de liderar a humanidade em um momento decisivo para sua sobrevivência. A falta de comprometimento dos Estados Unidos não representa apenas uma ameaça aos interesses globais, mas também um risco direto ao futuro do planeta e da humanidade. Resta aos novos protagonistas mostrarem que um modelo de liderança baseado na sustentabilidade e no compromisso com as próximas gerações é o mínimo esperado e o único caminho viável das nações e suas lideranças para enfrentar as complexas demandas do presente.
Uma nova história está sendo escrita, e seus protagonistas definirão o futuro da humanidade. Em um mundo sobrecarregado e com “pontos de não retorno” já ultrapassados, talvez seja razoável dizer que os próximos 10 anos definirão os nossos próximos 100. Quais serão as nações que liderarão a necessária e inadiável transição para uma economia sustentável?