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ARTIGO
Rua do Porto: morte anunciada?
24/04/2024 | Tempo de leitura: 3 min
Foto: reprodução
A Rua do Porto e o Engenho Central – joias de um complexo histórico, sentimental, paisagístico de nossa terra – continuam um desafio à ação governamental. E é lamentável. Pois há toda uma história de atenções e cuidados que passaram a esbarrar em descuidos. A Rua do Porto é nossa “rua-mãe”. E tão significativa para nossa gente que seus moradores, ainda no Século 19, eram chamados de “portuenses”. Pessoas e lugar verdadeiramente míticos: pescadores, mulheres sábias, benzedeiras, velhos contadores de histórias. E atletas que frequentavam o Clube de Regatas, nadando, remando, construindo histórias épicas como a do memorável “raid” Piracicaba-Tietê.
O rio é a alma de nossa cidade. E de nossa gente. Somos herdeiros até mesmo de seu nome indígena, Piracicaba. Por ele e através dele, tornamo-nos piracicabanos, batismo indelével. Portanto, no rio, na Rua do Porto está a nossa pia batismal. E isso nos traz – percebemo-lo ou não – o sentimento palpitante de ancestralidade. O rio é o nosso mistério. Pensamos seja nosso, vemo-lo como único. E, no entanto, o rio é mutante, passante. Ele não fica. Vai. Por isso, vale a advertência milenar do filósofo: “Ninguém entra no mesmo rio duas vezes”.
Não nasci “portuense”. Mas fui feito ribeirinho desde a primeira infância e ribeirinho ainda sou. O mundo, nos 1940, estava em guerra. Mas meu pai me levava, quase todas as tardes, à Rua do Porto, ao Clube de Regatas. Sob seus cuidados e atenção, aprendi a nadar nas águas tonificadoras do rio. Havia o icônico trampolim. E meu adorável e saudoso pai estimulava-me a saltar, garantindo-me estar – com seus fortes abraços – a me segurar. E eu saltava. E na certeza plena de nada de ruim me acontecesse. E, então, saltando e sendo abraçado por aquele homem encantador, nadávamos juntos.
E eu acreditava que Nhô Lica realmente encontrasse diamantes junto às pedras da beira rio. Eu amava Nhô Lica. Sentia um fascínio palpitante ao tê-lo verdadeiramente como um mágico. E que alegria quando eu lhe levava uma que outra pedrinha e ele a aceitava como diamante precioso! E essas coisas, relembrando-as, eu as conto para protestar e reafirmar: “A Rua do Porto também é minha! A Rua do Porto é de cada criatura piracicabana que tem alma de sentir e coração de palpitar”. É nosso lugar de paz, nosso refúgio, nosso encantamento. E, até hoje, procuro o meu umbigo que meu pai me disse ter enterrado na beira do rio.
Ora, que não banalizem, que não vulgarizem, que não apequenem aquele templo de nossa caipiracicabanidade – querendo mantê-lo apenas como um “centro gastronômico”. Já aconteceu a vergonha e o insulto de, naquele lugar, um comerciante anunciar a sua especialidade: “Fish”! Deveria ter sido processado, no mínimo, por heresia. E nada aconteceu.
Agora, querem facilitar o acesso de mais automóveis, abrindo uma outra rua e violentando o parque. O mundo, o planeta reage à ação deletéria dos motores em relação ao ambiente e, aqui, há quem queira estimulá-los? Onde estamos? O que há na cabeça, no conhecimento, no espírito dessa gente? Por que pisoteiam nossa cultura caipiracicabana? Ou não a conhecem? Que noção têm, eles, de herança cultural, de tradição, da alma de um povo?
Alguém minimamente inteligente haveria de enriquecer a Rua do Porto com estímulo aos jovens para apresentações musicais, teatrais, danças. É o espaço gracioso para o cururu, para a dança do lenço, para o cateretê. E por que não recuperar charretes para passeios na rua de nossos sonhos?
Ano de eleições. Que saibamos eleger dirigentes dignos de nossa história.
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