
Aurora Cursino dos Santos, apesar de ser uma artista plástica prolífica, não recebeu reconhecimento de seus colegas. Com mais de 200 quadros produzidos nos anos 40, e um estilo próprio, enfrentou dois estigmas incontornáveis: ser prostituta e portadora de transtornos psiquiátricos.
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Sua obra, marcada por diagnósticos como "psicose paranoide", "personalidade psicopática amoral", "esquizofrenia parafrênica" e "autismo intenso", foi produzida exclusivamente nas dependências de um manicômio, apurou reportagem da BBC.
Nos seus quadros, destacam-se as cores vibrantes, caracterizadas por uma fusão de texto e imagem. A caligrafia densa da joseense, em letras maiúsculas, envolve figuras humanas, sobrecarregando-as com frases eloquentes.
Em outros trabalhos, memórias pessoais se entrelaçam com delírios persecutórios, formando uma rede de referências que abrange desde escritores renomados como Anatole France, Émile Zola e Alexandre Herculano, até compositores como Ludwig van Beethoven e Frédéric Chopin. Além disso, sua obra incorpora figuras históricas como reis, papas e imperadores europeus, assim como delegados e políticos brasileiros.
Em meio a tudo isso, a artista faz menção a São José dos Campos, atestando o caráter autobiográfico das obras.
À BBC, Silvana Jeha, doutora em História, e Joel Birman, professor titular do Instituto de Psicologia, destacaram que a sociedade coloca prostitutas e criminosos na mesma categoria, e que o caso de Aurora representa um martírio compartilhado por vítimas do sistema judiciário, em que suas vidas são definidas por registros clínicos e policiais com interpretações supostamente crítico-negativas.
HISTÓRIA
Nascida em 1896 em São José dos Campos, Aurora viu-se obrigada a um casamento relâmpago aos caprichos do pai. Insatisfeita, separou-se em menos de 24h.
Entre 1910 e 1930, prostituindo-se em São Paulo e Rio de Janeiro, financiou uma viagem à Europa. Apaixonada por literatura, artes plásticas e música, indícios sugerem que também tocava piano.
Na Lapa, conviveu com figuras como Madame Satã e Manuel Bandeira. Em 1919, denunciou um agressor após um episódio violento, mas o caso foi arquivado devido às leis discriminatórias da época.
Desencantada, afastou-se da boemia e, em São Paulo, dedicou-se à enfermagem durante a Revolução Constitucionalista de 1932. Entretanto, dificuldades a levaram aos manicômios.
Internada em 1941, no Hospital Psiquiátrico de Perdizes, e depois no Complexo Hospitalar do Juquery, ela participou de um ateliê de arteterapia com o psiquiatra Osório Cesar por uma década, expressando seus tormentos pelas pinturas a óleo.
Em 1950, a obra de Aurora foi exibida pela primeira, quando Osório levou alguns de seus trabalhos para a Exposição Internacional de Arte Psicopatológica, na França.
MORTE
Em 1955, Aurora foi submetida à lobotomia. Ela faleceu em 30 de outubro de 1959, aos 63 anos, sem nunca ter saído do Juquery. Antes de ser lobotomizada, enfrentou choques elétricos e injeções medicamentosas, que resultavam em estados de coma e crises convulsivas.