HABITAÇÃO

Casa embrião de 15 m² é ‘moradia doente’ e traz riscos de ‘precariedade habitacional’

Projeto da Prefeitura de Campinas contraria diretrizes da ONU Habitat e é criticado por especialistas em arquitetura e urbanismo

Por Xandu Alves | 16/06/2023 | Tempo de leitura: 3 min
Campinas

Divulgação / Eduardo Lopes

Casas de 15 m² em Campinas
Casas de 15 m² em Campinas

Contrariando diretrizes da ONU (Organização das Nações Unidas), as casas embriões de 15 metros quadrados em Campinas para até sete moradores, para pessoas em vulnerabilidade social, oferecem o risco de danos colaterais para a população, como problemas de saúde e questões sociais.

Também há risco de “precariedade habitacional” e “favelização”, conforme apontaram especialistas ouvidos pela reportagem de OVALE e da Sampi Campinas, entre eles estudiosos da USP (Universidade de São Paulo) e Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), entre outros.

Na avaliação de especialistas, casas de 15 m² podem se transformar em “habitação doente”, gerando problemas de saúde devido à falta da “qualidade do espaço” do imóvel.

“A prefeitura está reproduzindo modelos que não deram certo para dar respostas a demandas antigas. Está fazendo muito pouco para resolver o problema”, declarou a OVALE Tomas Moreira, professor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP de São Carlos e coordenador do YBY – Laboratório de Estudos Fundiários, Política Urbana e Produção do Espaço e da Paisagem.

O projeto da Prefeitura de Campinas vai reabrigar 116 famílias e mais de 450 pessoas da Ocupação Mandela, que há sete anos lutam por um imóvel digno. Elas vão morar no novo Residencial Mandela, no distrito do Ouro Verde, que terá casas de 15 m² de um cômodo e mais um banheiro. As moradias devem ficar prontas em três meses.

“As pessoas não conseguem morar em uma unidade habitacional de 15 m², e aí todos os conflitos sociais acabam indo para a rua. Tenho que garantir uma qualidade de vida não apenas para a moradia, mas na relação com a vizinhança também”, completou Moreira.

ONU

OVALE e a Sampi Campinas revelaram que o projeto em Campinas descumpre diretrizes da ONU Habitat (Programa da ONU para os Assentamentos Humanos) para uma a construção de uma casa minimamente digna e adequada.

A entidade classifica moradia adequada quando, no máximo, até três pessoas compartilhem o mesmo quarto habitável, com uma área mínima de 9 m², além de espaços como cozinha e banheiro separados.

Um cômodo pequeno demais compromete a saúde e o bem-estar dos moradores, na avaliação da ONU, que usa como critério a densidade de morador por dormitório para avaliar a moradia. No caso das casas embriões de Campinas, os imóveis estão sendo construídos com banheiro e só mais um cômodo e irão abrigar, em média, 3,8 pessoas por moradia -- há famílias na ocupação com até sete pessoas.

“Nem duas camas individuais cabem em um quarto destes [menor do que 9 m²], pelo que se assume que três pessoas podem dormir em uma cama. Além disso, é improvável que outros móveis caibam. A ventilação necessária também é uma preocupação”, diz trecho de documento da ONU.
 

LEIA MAIS: Especialistas da USP e Unicamp chamam de ‘inaceitável’ casa de 15 m² em Campinas

 

PRECARIEDADE

Para a arquiteta e urbanista Eleusina de Freitas, que elaborou o último plano de habitação de Campinas, em 2010, a ação da prefeitura é ineficaz e o recurso poderia ser “mais bem investido com planejamento que atendesse a necessidade das famílias”.

“Por que nada foi feito antecipadamente se existe um plano, um órgão e o recurso? As condições das moradias ferem as diretrizes da própria ONU, que estabelece o mínimo de um cômodo, banheiro e uma unidade de cozinha”, disse.

A avaliação dela é corroborada por outros especialistas.

“Em habitação, consideramos adequada uma moradia de 70 m². É questão de salubridade e saúde. Espaços pequenos demais tendem a proliferar doenças e ter problemas com ventilação e iluminação”, disse a OVALE Flávio Mourão, professor da Unitau (Universidade de Taubaté) e mestre em arquitetura e urbanismo.

FAVELIZAÇÃO

Para o professor Moreira, da USP, sem ajuda financeira para ampliar o imóvel de 15 m², como até o momento não foi anunciado pela prefeitura, há risco de “favelização” do espaço com a precarização das moradias em alguns anos. Não por falta de zelo dos moradores, mas por necessidade que a pequena moradia irá impor.

“A administração sabe quem são as famílias e a composição delas e tinha como prever modelos específicos para atender cada núcleo familiar com uma moradia digna”, afirmou. “As casas de 36 m² do programa federal Minha Casa Minha Vida deveriam ser o ‘limite do limite’, para que não se tenha impactos sociais imensos”.

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18 COMENTÁRIOS

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  • João Alfredo
    21/06/2023
    \"Deixa eles continuarem nas ruas\"... as ONGs ganham muito dinheiro, pegando dinheiro de governos e cidadãos bem intencionados e não repassando para devidos fins. Agora, aparecem os \"Ongueiros\" para criticar quem faz alguma coisa... Querem sempre manter o povo na miséria para lucrar com algo ! Incrível !
  • Gabriel giampaulo
    20/06/2023
    Isto é preconceito com moradia pequena, garanto a vocês se eles não pagaram vão continuar na casa pois polico nenhum vai ter coragem de tiralos de lá certo, hoje hesintem mini casas e e muito caro comprar nas grandes capitais pra quem invadiu tá bão de mais, agora manda eles trabalhar para ampliar, duvido não tem coragem disto. Trabalho muito e não tenho quase nada, vão trabalhar tadinhos né.
  • O libertário
    20/06/2023
    Quem tem que saber se a casa é boa ou não, ou é doente ou saudável, o que for é quem recebe a casa. O que mais aparece agora são \"especialistas\" dizendo que é ruim, quando essas pessoas estavam na rua não haviam \"especialistas\" criticando por estarem invisíveis. A preocupação é quanto vai custar cada casa dessa, pra se evitar a roubalheira padrão Brasil.
  • Dagoberto Alves de souza
    19/06/2023
    Todos querem tudo prontinho pra depois virar favela Lembra do Zé betio quando vendia terreno pra imobiliária continental Dava tijolos e telhas pro comprador começar a sua casinha aí tinha valor porque eram trabalhadores de verdade hoje quer tudo masdigado ainda reclama fica estes políticos só falando m A casa e pequena tudo bem que for mora e ser trabalhador logo faz mais um cômodo depois outro sem depender de ninguém ou então faz um L
  • Rafael
    19/06/2023
    A prefeitura tem 120 dias pra fazer 116 casas, parece que vcs não lêem as notícias
  • Marcelo Doerflinger
    19/06/2023
    Bom mesmo é morar no lixão. Ah, vá!
  • Victor
    19/06/2023
    Me parece que nenhum arquiteto foi consultado na definição deste projeto, pelas fotos que vi o sistema construtivo é antiquado, caro, seria possível utilizando-se técnicas mais modernas se fazer algo maior e muito melhor pelo mesmo dinheiro investido... Se chamassem está construção de edícula de uma outra futura construção ainda dava pra aceitar, me parece que li que o terreno tem 90 m² ou seja usando o código nacional de obras seria permissível 45m² de construção principal e mais 9 m² de edicula
  • RUBENS SOLER
    19/06/2023
    Quanto de terreno essa mini-casa terá? Essa casa terá água encanada, iluminação e esgoto? Se os moradores forem pra essa casa, se tem terreno pra ampliar e a prefeitura financiar o material para ampliação, o projeto torna-se viável, pois as pessoas sairão de um \"barraco\" em cima de esgoto a céu aberto, para um local com infra-estrutura.
  • André Ricardo de matos
    19/06/2023
    Bom dia esse prefeito de campinas esta de palhaçada na hora de pedir votos vem com essa cara sem vergonha foi eleito e agora não faz nada pra população fala pra ele vir morar com a familia dele nessa casa de 15 metros quadrados sera que ele não tem vergonha na cara
  • WILSON RODRIGUES DE OLIVEIRA
    19/06/2023
    Quando leio \"especialistas ouvidos\", \"estudiosos consultados\" já espero lacração de quem não trabalha e fica na sua cobertura tomando vinho. Essa é uma solução rápida para moradores de rua, em situação de risco.
  • Ed
    19/06/2023
    Estas casas não são para morar para o resto da vida. Possuem saneamento básico em um lugar urbanizado para que a família possa se recompor e depois partir para um imóvel próprio, com seu próprio esforço.
  • Anderson
    19/06/2023
    Avaliando por cima, minha sala tem 12 metros quadrados, e mau cabe meus móveis e tv, então realmente está muito pequena essa casa
  • Sonia
    18/06/2023
    Essas pessoas que fazem esse tipo de proposta deveriam construir e morar nessas casas! Não tem explicaçao um absurdo destes! Não dá para acreditar que tiveram a coragem de construir uma casa dessas! O que está acontecendo com as pessoas? Essas pessoas não tem as menores condições de participar da vida pública de um estado! Por favor, procurem um psiquiatra!
  • MARCELO PIMENTEL DE OLIVEIRA
    18/06/2023
    Um bando de hipócritas falando merda, trabalhei por mais de 10 anos pra poder construir uma casa, agora o cara vai receber uma praticamente de graça e aí aparece um monte de pseudo entendedores do assunto pra dizer que é desumano!! É mais que o suficiente pra começar ou recomeçar uma vida e essas casas devem ser rotativas . Aqui no Brasil todo mundo quer algo do governo sem ser trabalhando.
  • Eva Maria Gonçalves Cardoso
    18/06/2023
    Lamentável a consideração que esses governantes tem pelo seus fiéis eleitores. Mas com certeza é isso mesmo que eles merecem li depoimento que estão felizes com a jaula.
  • Gilvan silva
    18/06/2023
    E o governo de Sao Paulo apoiou esse projeto, vcs esqueceram de mencionar o Tarcicio de Freitas
  • Ketily
    18/06/2023
    É falta de respeito com as pessoas ,melhor dar uma caixa de fósforo pra pessoa morar
  • Livio Carlos Borghi
    18/06/2023
    Esses especialistas querem moradia de 70 metros quadrados? Pra quem mora em barracos de madeira? Estão de brincadeira.