
“ Conversa não cozinha arroz ” - Provérbio chinês
A primeira leva de imigrantes japoneses chegou ao Brasil em junho de 1908, no navio Kasato Maru - isso se aprendia na escola antigamente. Este navio trouxe 781 homens, mulheres e crianças; 325 eram da ilha de Okinawa. Alguns meses depois, no começo de 1909, 75 pessoas deste último grupo deixaram as fazendas Floresta e Dumont, em São Paulo, e, atraídas por melhores salários, desembarcaram em Campo Grande levadas pela construtora da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. Concluída a ferrovia, em 1915, os que conseguiram reunir algumas economias adquiriram alqueires de terra na periferia da cidade, nas margens de um córrego chamado Segredo. Ali se estabeleceram com suas famílias, passando a desenvolver uma agricultura que lhes garantiria subsistência e lucro. Era o gérmen de um núcleo cuja importância se percebe hoje por quem dá uma simples volta pela cidade e encontra a marca oriental em monumentos, escolas, associação e sobarias.
Sobarias? Sim, lugar onde se vende sobá, nome de alimento antigo que trazido pelos imigrantes se tornou bem imaterial elencado pelo Patrimônio Histórico e Cultural de Campo Grande.
A receita é legado daqueles japoneses que, depois de pronta a ferrovia, foram trabalhar com hortifrútis levados duas vezes por semana à feira. Como era ofício custoso armar as barracas para expor os produtos, chegavam nas madrugadas e preparavam ali mesmo sua comida antes dos primeiros compradores e depois dos últimos. Alimentavam-se física e espiritualmente. Porque se o sobá era reunião de necessárias proteínas, carboidratos, vitaminas e sais minerais, também lhes trazia à memória o espírito uchinanchu, que é o adjetivo pátrio com que se definem os oriundos da província de Okinawa, antigo Reino de Uchina. Os uchinanchus se diferenciam do restante da população japonesa por razões geográficas e influências culturais. Em decorrência de sua posição no arquipélago, mais próximos de Seul que de Tókio, receberam forte influência da China, tendo com aquele país estabelecido estreitas relações comerciais que perduraram até o começo do século XX. Somando-se a elementos como idioma e hábitos, o cardápio é um dos itens que diferenciam as culturas japonesa e okinawana . Portanto, não se confunda sobá com yakisoba.
Como gostam de dizer os acadêmicos, o sobá se instaurou em Campo Grande como prato de mediação entre passado e futuro, num presente de aceitação e reconhecimento. Os ingredientes são carne de porco com osso, macarrão de trigo sarraceno, ovos para omelete, cebolinha verde fresquíssima, shoyu. E gengibre batido com um pouquinho de água para acompanhar. Usei bisteca, separando ossos para o caldo, e macarrão Lámen em substituição ao sarraceno. Gostei muito do sabor, do aroma, das texturas e da forma como usualmente é servida essa iguaria saudável, como toda a culinária de Okinawa, um dos lugares onde a grande concentração de pessoas centenárias chama a atenção de médicos e nutricionistas.
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