OPINIÃO

O Crepúsculo da Justiça

Por Marcos Cintra |
| Tempo de leitura: 3 min

A célebre indagação de Cícero ao Senado Romano, “Quousque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?” (Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência?), nunca soou tão atual e necessária no cenário brasileiro. O que assistimos hoje não é apenas uma crise institucional passageira, mas o ápice de uma decomposição moral que emana da cúpula do Poder Judiciário. O Supremo Tribunal Federal (STF), que deveria ser o bastião da Constituição e o refúgio da sobriedade democrática, transformou-se em um epicentro de desavenças, vaidades e, tragicamente, de uma depravação de costumes que choca a nação.

A promiscuidade exibida entre membros da alta corte, banqueiros e políticos de índole questionável não é apenas um deslize ético; é uma afronta direta ao cidadão comum que ainda acredita no império da lei. Quando ministros se envolvem em bate-bocas públicos, trocando acusações que variam de desonestidade intelectual a chantagens de bastidores, a liturgia do cargo é assassinada em praça pública. O ambiente tóxico que se instalou nos gabinetes de Brasília não fica restrito ao Planalto Central; ele escorre pelas instituições, contamina as relações sociais e projeta uma imagem de "república de bananas" perante a comunidade internacional.

A gravidade da situação reside na perda total da decência. O relato de desonestidade intelectual dentro dos próprios gabinetes sugere que a interpretação da lei se tornou um joguete de interesses pessoais e políticos, e não um exercício de busca pela justiça. Essa podridão, como bem define o sentimento popular, agride a consciência de quem ainda possui valores morais sólidos. O mais doloroso é perceber que esses títeres imorais parecem ter perdido a capacidade de sentir vergonha. Eles agem como se estivessem acima de qualquer escrutínio, ignorando que o exemplo que dão hoje é o veneno que nossos filhos beberão amanhã.

Quando o guardião da lei se torna o seu maior transgressor moral, o contrato social é rompido. O sistema, esticado ao seu limite máximo pela arrogância e pela impunidade, dá sinais claros de que pode explodir a qualquer momento. No entanto, é precisamente nesse cenário de terra arrasada que reside a semente de uma nova esperança. A história nos ensina que sistemas apodrecidos costumam ruir sob o peso da própria imoralidade, abrindo espaço para que algo novo e mais íntegro possa florescer.

A reação, entretanto, não pode ser passiva. Não se trata de incitar a violência, mas de exigir uma depuração profunda. Que cada brasileiro reaja como puder: através do voto consciente, da pressão popular, da denúncia constante e da educação das novas gerações. Antes que tudo "vá pelos ares", é preciso que a sociedade civil retome o protagonismo moral do país. A hora dessa gente vai chegar, não por um ato de vingança, mas pela força inevitável da justiça histórica que não tolera a depravação eterna.

Precisamos de um STF que volte a ser técnico, silencioso e respeitável. Um tribunal que não precise de holofotes, mas de integridade. Até que esse dia chegue, a pergunta de Cícero continuará ecoando em nossas mentes, servindo como um lembrete de que a paciência de um povo tem limite e que a esperança de um novo Brasil depende da coragem de enfrentar a podridão que hoje nos governa das sombras das togas.

Doutor em Economia por Harvard, Marcos Cintra é atualmente professor titular da Fundação Getúlio Vargas.

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