OPINIÃO

O Natal chega. O INSS não. E quem paga essa conta é você

Por Tiago Faggioni Bachur | especial para o Portal GCN/Sampi
| Tempo de leitura: 4 min

Todo Natal é igual. As luzes se acendem, as músicas voltam a tocar, as mensagens prontas circulam nos celulares e alguém, inevitavelmente, repete que “o importante é ter saúde”. É verdade. A saúde é essencial. O problema começa quando ela falta (e, junto com ela, também falta o direito).

Porque fé sem direito vira discurso vazio. E direito sem informação vira sofrimento silencioso.

Para muita gente, o Natal deixou de ser sinônimo de celebração e passou a ser um lembrete cruel do que faltou ao longo do ano: renda, tranquilidade, saúde e, principalmente, resposta. A resposta que deveria vir da Previdência Social e que, muitas vezes, simplesmente não chega.

Nesse cenário, o INSS não surge como um vilão declarado, mas como uma presença ausente. Todos falam dele, todos dependem dele, mas poucos conseguem alcançá-lo quando realmente precisam.

O Natal de quem espera o INSS não aparece nas propagandas

Existe um Brasil que não cabe nas campanhas publicitárias de fim de ano. É o Brasil de quem aguarda há meses (às vezes anos) uma resposta da Previdência Social. O Brasil do trabalhador incapacitado esperando perícia, do idoso em situação de miserabilidade aguardando o BPC/LOAS, da pessoa com deficiência que precisa provar repetidamente que continua enfrentando limitações e da família que vive de ajuda enquanto o processo permanece “em análise”.

Essas pessoas não pedem luxo. Pedem resposta. Mas, em muitos casos, recebem apenas silêncio.

A espera virou regra. A dignidade, exceção

Esperar pelo INSS tornou-se parte do procedimento. Não se trata de dias, mas de meses e anos. Benefícios ficam presos em limbos administrativos, perícias são remarcadas sucessivamente, exigências surgem sem explicação clara e documentos desaparecem nos sistemas.

Quando o cidadão questiona, ouve a justificativa pronta: o sistema está sobrecarregado. E está mesmo. O INSS sofre com falta de servidores, estrutura insuficiente, excesso de demandas e mudanças constantes de regras. O problema é que o custo dessa desorganização recai sempre sobre o mesmo lado: o do segurado.

Enquanto o sistema tenta se ajustar, a vida segue. E não espera.

BPC/LOAS (Benefício de Prestação Continuada da Lei Orgânica da Assistência Social): quando quem não pode esperar é obrigado a esperar

Poucos benefícios revelam de forma tão clara a crueldade da espera quanto o BPC/LOAS. Ele é destinado a quem não tem renda, não consegue trabalhar e vive em situação de extrema vulnerabilidade. Justamente quem não pode aguardar.

Ainda assim, aguarda. Aguarda análise social, avaliação médica, cruzamento de dados e interpretações que mudam no meio do caminho. Para quem vive abaixo da linha da pobreza, a fila não é virtual. Ela é concreta, diária e dolorosa.

Teleperícia: a promessa de facilidade que nem sempre facilita 

A proposta parece moderna e eficiente: evitar deslocamentos e usar a tecnologia para facilitar o acesso. Na prática, surgem novos obstáculos. Pessoas idosas com dificuldade de acesso a celulares, pessoas doentes tentando explicar dores crônicas por vídeo, pessoas com deficiência avaliadas sem exame físico adequado.

A teleperícia, em muitos casos, transforma-se em um atalho para decisões padronizadas e negativas automáticas. Não por má-fé, mas porque não há tecnologia capaz de substituir, integralmente, a avaliação humana em situações complexas.

Regras instáveis, direitos frágeis 

Outro fator que aprofunda a insegurança é a instabilidade normativa. O cidadão mal compreende uma regra e ela já muda. Portarias, instruções normativas e interpretações diferentes para situações semelhantes criam um cenário de incerteza permanente. Quem paga essa conta é sempre o segurado.

Quando a espera termina em luto 

Há um tema que incomoda e, por isso, raramente é debatido: pessoas morrem aguardando resposta do INSS. Morrem esperando perícia, concessão ou revisão. Morrem sem saber se tinham direito.

Quando a família busca informações, encontra um processo encerrado de forma fria e técnica, com a simples anotação de que o requerente faleceu. Para essas famílias, o Natal não tem luzes nem celebração. Tem ausência.

Nem o Judiciário escapa do colapso 

Ao recorrer ao Judiciário, o cidadão encontra outro sistema sobrecarregado. Faltam servidores, faltam recursos e sobra demanda. Juízes e equipes trabalham no limite. Ainda assim, é no Judiciário que muitos direitos acabam sendo reconhecidos (embora, muitas vezes, tarde demais).

Benefício previdenciário não é favor 

Auxílio-doença, aposentadoria por incapacidade, auxílio-acidente, BPC/LOAS e aposentadorias não são caridade. São direitos sociais garantidos constitucionalmente. O maior erro é acreditar que a primeira negativa representa a verdade definitiva.

Informação, nesse contexto, torna-se proteção. Saber que a negativa não é o fim, que laudos podem ser contestados e que erros podem ser corrigidos faz toda a diferença.

Esperar que o INSS resolva tudo sozinho é como esperar que a ceia de Natal se prepare sozinha enquanto a geladeira está vazia.

Mais do que promessas, que o Natal traga consciência 

Que este Natal traga reflexão, coragem e ação. Quem está doente, incapacitado, sem renda ou aguardando benefício não deve considerar a demora da resposta ou o silêncio normal. Informação de qualidade e orientação adequada podem evitar que mais um ano se perca na espera.

A esperança é importante. Mas esperança sem direito é apenas discurso bonito.

Se o INSS não responde, que ao menos a informação circule. Neste Natal, espalhe luz onde o sistema insiste em manter sombras. Compartilhar conhecimento pode ser o empurrão que alguém precisa para não perder mais um Natal esperando... Porque dignidade também se constrói com informação.

Tiago Faggioni Bachur é advogado, professor e especialista em Direito Previdenciário. Atua na defesa dos direitos sociais, com foco em benefícios e revisões do INSS, BPC/LOAS e planejamento previdenciário. Colunista do Portal GCN. Autor de obras jurídicas.

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