“A política é o teatro dos que não têm vergonha”
Bertolt Brecht, dramaturgo e poeta alemão
Bolsonaro está preso. A bem da verdade, já estava. Cumpria medidas cautelares no doce conforto da sua mansão, num condomínio de luxo em Brasília, recebendo visitas, com funcionários a servi-lo. Agora está em CEP novo.
Ainda não é o início do cumprimento formal dos 27 anos de cadeia a que foi condenado, mas é uma mudança de status - e de privilégio. Por mais que a sala de Estado da superintendência da Polícia Federal não seja indigna, também está longe de ser qualquer coisa que lembre os confortos de casa.
Não há nenhuma grande surpresa, não havia qualquer possibilidade de Bolsonaro se livrar da prisão, em qualquer endereço, mas ainda assim é sintomático da vocação do Brasil para a tragicomédia. As circunstâncias em que se deram a decretação da prisão preventiva são uma evidência incontornável da nossa vocação para o tosco.
Não é de hoje que vivemos em um país que é uma espécie de ópera-bufa, destas em que o absurdo é a narrativa predominante. É uma parte de nosso “manifesto” de fundação, desde o descobrimento.
Portugal, quando tomou posse de um território inúmeras vezes mais extenso e que viria a ser chamado de Brasil, muito mais rico e estratégico do que o próprio, fez o quê? Quase nada. Não ocupou, não explorou imediatamente. Terceirizou, décadas depois, via capitanias hereditárias. Extraiu o que conseguiu das margens litorâneas e só passou a olhar para nós com mais atenção quando precisou transferir a corte para cá, em 1808. Quase três séculos de desperdício. Piada pronta.
As eleições de 1930 chegaram como outro ato deste teatro do absurdo. Júlio Prestes venceu nas urnas; Getúlio Vargas não aceitou, deu golpe, virou ditador, se instalou por 15 anos no poder, censurou, perseguiu, e ainda assim passou a ser saudado como um “quase-herói”, pai dos ricos e mãe dos pobres. Como o absurdo no Brasil é regra, foi deposto em 1945, voltou eleito em 50 e, quatro anos depois, em meio a escândalo de corrupção e trama de assassinato de opositores, resolveu a questão a seu modo. Deu um tiro no peito, em pleno Palácio presidencial.
Logo após, em 1960, Jânio Quadros foi eleito com pompa, apenas para renunciar sete meses depois. Alcóolatra provável, fez uma típica coisa de bêbado, sem qualquer lógica. Assumiu o vice, João Goulart, que só conseguiu governar porque aceitou a fórceps a adoção do parlamentarismo, onde seus poderes seriam reduzidos. O arranjo fracassou, e então em 1964, veio o último golpe, deflagrado por militares. Jango, ao invés de resistir, decidiu simplesmente abandonar a luta e se exilar no Uruguai, onde tinha fazendas. Um espetáculo de covardia.
A redemocratização a partir de 1985 parecia abrir uma nova era: voltariam no próximo ciclo eleições livres, havia grande expectativa de renovação. O Congresso confirmou Tancredo Neves na presidência, símbolo da esperança. Aconteceu o quê? Tancredo morreu antes mesmo da posse. Como não se espantar com a tragédia?
Vinte anos depois, já sob Lula presidente, o país parecia caminhar para uma maturidade institucional, finalmente estável depois dos anos FHC - crescimento econômico, estabilidade da moeda, inclusão social, projeção internacional.
E então, como sempre, o Brasil puxou o próprio tapete. Uma rede de corrupção de dimensões monumentais veio à tona, com delações, confissões, planilhas e depoimentos que revelaram um sistema tão sofisticado que incluía até um departamento de propina numa gigante da construção civil.
A promessa de limpeza virou farsa quando se descobriu que juiz e procuradores, reféns do próprio ego, resolveram “combinar” ações, fabricar coerências, coagir testemunhas e atropelar limites legais. A nulidade de todos os atos veio como consequência inevitável. E os réus confessos, alguns com cifras bilionárias de desvios admitidas, emergiram inocentes, como se o crime tivesse sido apenas uma ilusão coletiva. A ópera-bufa, aqui, também foi bipartidária.
Daria para lembrar ainda o primeiro golpe, quando o imperador Dom Pedro II foi deposto, ou o impeachment de Collor, o caçador de Marajás, criminoso contumaz que, cassado, conseguiu retornar ao Senado para ser mais uma vez condenado e preso por corrupção. As histórias, e exemplos, são inesgotáveis.
Voltemos então ao agora e às tais circunstâncias da prisão preventiva do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro.
Primeiro: a vigília. Flávio Bolsonaro, o filho-senador, na tarde da última sexta-feira, convocou apoiadores não para rezar, mas para agir. No vídeo, postado em suas próprias redes, diz, literalmente: “Você vai lutar pelo seu país ou vai assistir tudo do celular aí no sofá da sua casa? Eu te convido para lutar com nós(sic).” O que deveria ser um apelo religioso se converteu em exortação política explícita, exatamente nos moldes dos acampamentos na porta dos quartéis que levariam à tentativa de golpe de Estado liderado por Bolsonaro - e isso, combinado à tensão permanente das últimas semanas, foi mais do que suficiente para levantar o alerta de risco à ordem pública.
Mas o ato mais estúpido ainda estava por vir. A Polícia Penal do Distrito Federal detectou aquecimento anormal na tornozeleira eletrônica no final da noite do mesmo dia, início da madrugada de sábado.
Na inspeção, encontrou o equipamento com marcas de queimadura. Confrontado, Bolsonaro admitiu, em vídeo gravado, sem dramatização, e com a naturalidade de quem comenta um experimento doméstico: “Meti um ferro quente aqui.”
A agente pergunta “-Ferro quente?”, e ele, como quem esclarece um detalhe trivial, acrescenta: “Curiosidade.”
Ela indaga se era ferro de passar, e vem a resposta técnica, quase didática, com o capitão reformado e dublê de MacGyver esclarecendo. “Não. Ferro de soldar, solda.” Mais adiante, confirma que era “aquele que tem uma ponta” e informa que fez isso “no final da tarde”. A pulseira estava intacta, mas o case violado. “Não rompi a pulseira, não”, tentou justificar.
É tudo real, literal, documentado e juntado ao processo. O tipo de confissão que, se fosse ficção, seria recusada por falta de verossimilhança.
Bolsonaro imaginou o quê? Que esquentaria a tornozeleira até ela derreter e sairia pela porta da frente? Que as câmeras ignorariam? Que faria uma caminhada até uma embaixada amiga sem que ninguém perguntasse nada? Que não haveria relatório? O homem que governou o país durante quatro anos reduzido ao papel de protagonista de um episódio de humor pastelão, com ferro de solda. Só faltou a torta na cara.
Para piorar, surgiram “versões” ainda mais delirantes para seu desatino. Amigos e familiares disseram que foi um “surto”, provocado pelos efeitos de um medicamento, que não foi receitado por nenhum dos seus três médicos, e que teriam feito o ex-presidente “acreditar” que havia um dispositivo de escuta instalado na tornezeleira. Juro que essa foi a melhor explicação que os aliados do ex-presidente, e o próprio, conseguiram apresentar.
Bolsonaro não é mais protagonista. Foi. No máximo, hoje, é um símbolo gasto, ainda relevante para uma parcela de brasileiros desalentados, mas já incapaz de mover o enredo. No palco da República, seu papel encolheu: de camarote a cela, de centro de cena a lembrança inconveniente. A orquestra desafinou sem ele, as cortinas fecharam apesar dele, e o país descobriu que bravata tem limite, e que limite, às vezes, tem temperatura.
O Brasil, cansado de farsas, assiste a tudo com aquela descrença familiar: já viu demais, já engoliu demais, já riu onde não devia, e ainda assim se espanta com a capacidade nacional de transformar tragédia em comédia involuntária.
Porque a ópera-bufa segue. Sempre segue. Só mudou o elenco principal. Quanto ao ex-protagonista, agora reduzido a ruído lateral, permanece mais próximo do fosso do que do palco. Onde, registre-se, já não tem mais lugar.
Corrêa Neves Jr é jornalista, diretor do portal GCN, da rádio Difusora de Franca e CEO da rede Sampi de Portais de Notícias. Este artigo é publicado simultaneamente em toda a rede Sampi, nos portais de Araçatuba (Folha da Região), Bauru (JCNet), Campinas (Sampi Campinas), Franca (GCN), Jundiaí (JJ), Piracicaba (JP) e Vale do Paraíba (OVALE).
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Toni Zanotto 3 dias atrásCurioso como alguns cronistas políticos parecem viver num universo paralelo onde seletividade, exagero e narrativa substituem o bom-senso. Basta olhar o tom épico com que descrevem a tornozeleira de Bolsonaro — como se estivéssemos diante do maior escândalo institucional da história — enquanto fingem que não enxergam o óbvio: a aberração jurídica que é impor a um ex-chefe de Estado uma medida digna de criminoso contumaz, sem condenação definitiva e sem risco real à ordem pública. Mas vamos por partes. O texto tenta transformar um pedido político de Flávio Bolsonaro em “ameaça à República”, como se convocar apoiadores fosse algo inconstitucional. Estranho… partidos de esquerda convocam atos diários — mas quando é do outro lado, vira “alerta de golpe”. A régua moral flexível continua impressionante. Na sequência, o autor tenta transformar um episódio ridículo em grave: o tal “aquecimento da tornozeleira”. Pois é. O que deveria provocar reflexão sobre o absurdo de ver um ex-presidente brasileiro submetido a isso, vira munição para escárnio barato. A narrativa se esforça tanto em ridicularizar Bolsonaro que esquece de olhar o que importa: ???? não há crime; ???? não houve rompimento; ???? não houve fuga; ???? não houve ameaça a ninguém. Mas, claro, comentaristas ávidos por protagonismo precisam criar espetáculo. Acharam: “ferro de solda”. E, como sempre, transformaram em novela. Engraçado — quando um criminoso condenado ganha perdão presidencial ou tem pena anulada por “vício processual”, vira “vitória da democracia”. Quando um cidadão de bem, sem condenação definitiva, encosta algo numa tornozeleira, vira “episódio de pastelão”. A coerência morreu, mas a ironia está viva e bem nutrida. O autor também insiste em reduzir Bolsonaro a “ex-protagonista”, “ruído lateral”. Curioso: – Se é tão irrelevante, por que tanto texto? – Por que tantos editoriais? – Por que tanta obsessão? A verdade é simples: o establishment precisa que ele continue “preso”, seja literal ou simbolicamente. Precisa que seja demonizado diariamente para justificar medidas que, se aplicadas a qualquer adversário político “do lado certo”, causariam escândalo internacional. E, enquanto isso, o país real — o Brasil de quem trabalha, paga impostos e sustenta a máquina — observa incrédulo: um ex-presidente com tornozeleira, enquanto verdadeiros criminosos andam soltos, recebendo indenizações, com processos prescritos ou anulados por contorcionismos jurídicos dignos de roteiros surrealistas. Mas o cronista prefere a metáfora teatral. Fala em “ópera-bufa”. Talvez seja mesmo — a diferença é que Bolsonaro não é o ator principal da peça. A verdadeira farsa está no palco institucional onde alguns atores fazem de tudo para calar um lado enquanto blindam o outro. E se a tornozeleira virou motivo para gargalhadas de quem acha isso politicamente conveniente, para milhões de brasileiros ela é símbolo de arbitrariedade, vingança política e do uso seletivo do sistema penal. O autor fala em “limite”. De fato: O limite é quando uma democracia aceita que um opositor político seja constrangido, exposto e humilhado — e parte da imprensa aplaude. E segue o espetáculo. Para alguns, tragédia. Para outros, comédia. Mas para quem enxerga além da narrativa, é apenas mais um capítulo da perseguição travestida de justiça. -
Antônio 24/11/2025A quebra do BANCO MASTER INCLUI CONTRATOS MILIONÁRIOS COM ESCRITÓRIO DA ESPOSA DE MORAES,60 BILHÕES FOI O ROMBO DO MASTER,CORTINA DE FUMAÇA PARA PRENDER BOLSONARO ALIÁS QUEREM DESVIVELO ENTÃO PÚBLICA AÍ MEU COMENTÁRIO O POVO NÃO É IDIOTA NÃO CORREIA. -
jaques campos 24/11/2025O que poderia se esperar dessa gente terraplanista? Nada mais me surpreende, depois de eleito para presidente um psicopata, e todas as insanidades praticadas durante quatro anos pela organização criminoso montada por este alienado. -
Guaru 24/11/2025Só alguém da seita para achar que o Bolsonaro estava em seu juízo normal ao cometer um ato daquele a tornozeleira eletrônica, o cara surtou, o cara não aguentou tanta perseguição, isso é muito claro para quem tem no mínimo 2 neurônios -
EDILSON CESAR RIBEIRO 24/11/2025O Cara é B........ Asnnnnno -
Cesar 24/11/2025Mídia Militante Covarde e Mentirosa -
Darsio 24/11/2025E, por fim digo que Bolsonaro merece a prisão não apenas pela tentativa de golpe, mas por tantos outros crimes cometidos. Afinal, como não repudiar suas falas debochando e ridicularizando as vítimas de covid? Seus discursos contrários a vacinas? Não se pode jogar sobre seus ombros todas as mortes por covid, mas milhares de vidas poderiam ter sido salvas se ele tivesse reconhecido a gravidade, se empenhasse nas recomendações da OMS e dito sim a empresa que ofereceu milhões de doses de sua vacina. E, o que dizer de tantos ignorantes que o idolatravam e, que se recusaram a se vacinar e a seguir os protocolos de cuidados e, que vieram a óbito por conta da doença? QUE ELE VÁ PARA A PAPUDA E QUE SUAS PSEUDO DOENÇAS SEJAM TRATADAS COM CLOROQUINA E OZÔNIOTERAPIA PELO ANUS, COMO ELE SEMRE DEFENDEU; -
Darsio 24/11/2025Outro aspecto que nos chama a atenção é o quanto Bolsonaro de sua cúpula continua a explorar a ignorância de seus segudidores e a religião. O tal projeto de anistia nunca foi elaborado pensando nos seus seguidores imbecis que destruiram suas vidas e agora ou estão condenados e presos em presídios ou com a ficha suja para sempre. Ele foi pensado unicamente em livrar Bolsonaro da cadeia. A religião é o outro caminho que a cúpula Bolsonaro procura utllizar para enganar os idotas seguidores, como se em algum momento de sua vida, Bolsonaro fosse um exemplo de religioso. Oras! Como pode alguém se julgar religioso ao extremo quando no seu no seu terceiro casamento mantinha caso com a sua atual esposa? Que possui filha com ex-secretária de Paulo Guedes e, para não descobrirem deram um jeito de arranjar um emprego para a amante pelo governo de São Paulo, nos EUA. Ou alguém que defende torturador dizer que se faz um expoente de cristo também é ser religioso. Lamentavelmente, em certas situações, quando a religião não está sendo úsada para enriquecimento de seus líderes, é explorada para dopar seus seguidores de profunda ignorância. BOLSONARO NA PAPUDA E SEM REGALIAS!!!!!!! -
Darsio 24/11/2025Tentou derreter a tornozeleira por alucinação? Sinceramente, eu digo que só sendo burro, ou melhor, bolsonarista para acreditar nessa história. A verdade é que, o que antes era o imbrochável e homem de saúde de atleta e, vivia em férias eternas curtindo jet-ski, agora procura se passar do coitadinho, do doentinho, do dói dói, do humano que implora pelos seus direitos e, que sim tentou fugir, como ja fizeram alguns dos comparsas de sua quadrilha, tais como o Ramagem e a Zambeli. Aliás, nosso Congresso é tão podre que, esses parlamentares mesmo sob a condenação do STF não perderam seus mandatos e ainda continuam a receber seus maravilhosos salários pagos por nós, idiotas contribuintres. QUE BOLSONARO PAGUE PELOS SEUS CRIMES SEM QUALQUER REGALIA E, DE PREFERÊNCIA NA PAPUDA. -
Antonio Flavio 23/11/2025Bolsonaro foi muito besta em permanecer no Brasil. Teve muitas oportunidades de deixar o Brasil como fez seu filho, Eduardo. Não só ele como os seus principais amigos hoje, já presos. Dos EUA poderia continuar lutando pela sua inocência, anistia. Agora, é tarde. -
José 23/11/2025E daí?! Não sou carcereiro! Deve ter tomado muita cloroquina e ivermectina para ter dado confusão mental hahaha. Grande dia! -
Valeska 23/11/2025E vergonhoso ,para quem tem vergonha na cara,imaginar que temos uma parcela grande de homens e mulheres em sua maioria pobres,que conseguiram fazer que um ser tão desprezível em todos os sentidos,que não conhece nada sobre qualquer assunto chegasse a presidência do país -
Leandro 23/11/2025O que realmente importa é que o ano que vem vamos varrer o PT do Mapa. -
jose 23/11/2025O BRASIL CONTINUA DO MESMO JEITO LAVAJATO, PETROLAO, ROUBO DO INSS E AGORA UM FERRO DE SOLDA VALE MAIS QUE TUDO. BEM HIPOCRITA NOSSO AUTOR DO TEXTO -
Cesar 23/11/2025Eu jurava que era a república da ditadura da toga,República do Descondenado,República da Fraude,República da corrupção onde BILHÕES foram Roubados,República do desvio de BILHÕES dos aposentados do INSS República do sindicato do irmão do Lula enfim se formos nomear todos os Roubos deste governo vou ficar digitando por horas, COVARDES CABALHAS QUE APOIAM TERRORISTAS E NARCOTRAFICANTES. -
Amilton Lopes 23/11/2025O LADRÃO DE 9 DEDOS É PRESIDENTE E seus companheiros são ministros... até o vice presidente já COMEU MERENDA DAS CRIANÇAS EM SÃO PAULO quando era governador...O QUE VC TEM A DIZER?