Cotidiano

Tenente prende soldado que se recusou a limpar banheiro

Por André Fleury Moraes | da Folhapress
| Tempo de leitura: 4 min
Reprodução/Google Street View
Sede da 5ª Companhia de Polícia Militar em Lençóis Paulista, interior de São Paulo, onde ocorreu episódio que levou soldado a ser preso por não limpar banheiro
Sede da 5ª Companhia de Polícia Militar em Lençóis Paulista, interior de São Paulo, onde ocorreu episódio que levou soldado a ser preso por não limpar banheiro

O tenente da PM Éder Franco Brandão, 42, mandou prender preventivamente na quarta-feira (22) o soldado Emanuel Henrique da Silva, 31, depois de o subalterno se recusar a limpar o banheiro da unidade onde trabalha, em Lençóis Paulista, interior de São Paulo, sem que houvesse uma ordem por escrito.

A defesa de Silva, acusado de desobediência, alega perseguição e vê indícios de racismo no caso - o policial é negro. Brandão, por sua vez, afirmou à reportagem que não vai se manifestar. Procurada na tarde desta quinta, a Polícia Militar de São Paulo não se pronunciou até a publicação deste texto.

O soldado foi encaminhado ainda na quarta ao presídio militar Romão Gomes, na capital paulista, e solto pela Justiça Militar após audiência de custódia na tarde desta quinta-feira. Sua defesa argumentou que a prisão preventiva (sem prazo) foi descabida e que o episódio envolve abuso de poder e de autoridade.

A prisão do dia anterior ocorreu por volta das 8h30 após desentendimentos entre o tenente e o soldado. Nem um nem outro negam a existência da ordem, mas divergem sobre a validade de uma determinação verbal.

Os depoimentos também conflitam sobre as circunstâncias do episódio.

O tenente diz que a primeira ordem dada a Silva pela limpeza do banheiro veio em 7 de outubro e não havia sido cumprida até a última quarta, quando soube por um outro policial que o local precisava de manutenção.

Segundo Brandão, esse outro agente chegou a se disponibilizar ao trabalho de zeladoria, medida recusada porque a ordem havia sido dada pessoalmente ao soldado Silva dias antes.

O comandante, então, determinou que um sargento fosse atrás de Silva para reafirmar a ordem pela limpeza. O agente retornou, segundo o histórico do caso, "relatando que o soldado Emanuel havia declarado que não cumpriria a determinação sem uma ordem de serviço por escrito".

Foi quando o próprio tenente se dirigiu a Silva para determinar a limpeza do banheiro. Ele disse ao soldado que a ordem verbal, legal e legítima, segundo ele, já era suficiente para ser cumprida. Não houve retorno, e Brandão deu voz de prisão ao policial.

Relatório da PM sobre o caso diz que "depoimentos de testemunhas corroboraram a versão do tenente Brandão no sentido de que o oficial emitiu ordem verbal ao indiciado, a qual não possuía caráter manifestamente ilegal, mas o mencionado soldado deixou de cumpri-la".

O soldado Emanuel Silva, por sua vez, apresentou versão diferente ao prestar depoimento.

Ele diz sofrer perseguição do tenente desde que questionou uma tarefa a que foi designado semanas atrás. O serviço envolvia a limpeza de uma piscina na 5ª Companhia, algo que ele afirmou ser inútil porque a piscina estava bem ao lado de uma obra realizada no local.

No caso que deu origem à prisão, ele afirma que a ordem pela limpeza partiu a princípio do sargento para o qual se apresentou ao chegar ao trabalho, ainda pela manhã, "onde lhe foi informado que deveria dar um ?talento? no banheiro do alojamento".

Quando pediu que a determinação fosse formalizada por escrito, diz seu depoimento, "o tenente passou a questionar o declarante sobre o motivo de estar ?causando?, afirmando que a ordem era legal e que ele era tenente e o declarante, soldado".

Silva declarou ainda que não se recusou a cumprir o ditame após reprimenda de seu superior, mas que só não o fez naquele momento porque um outro policial tomava banho quando chegou até o banheiro.

"O preso sequer negou-se a obedecer uma ordem. Apenas solicitou que isso se desse por vias formais, o que foi negado pelo senhor oficial", afirmou a defesa ao Tribunal de Justiça Militar, que acolheu os argumentos dos advogados Joice Vanessa dos Santos, José Miguel da Silva Júnior, Andréa Alexandria e Cleber Gaudino.

A Federação Nacional de Entidades de Praças Militares manifestou preocupação com o caso. "Os policiais militares são preparados pelo Estado à missão de polícia ostensiva, preservação e manutenção da ordem pública. Serviços de limpeza do quartel devem ser obrigatoriamente realizados por profissionais da área", afirmou em nota.

A entidade também disse ser justa a exigência de ordem por escrito porque a tarefa incumbida a Silva era alheia ao trabalho do policial. A federação ainda encaminhou ofício ao Condepe (Conselhos Municipais de Defesa dos Direitos Humanos) para apurar as circunstâncias do caso. "A prisão injusta humilha, constrange, calunia e difama a pessoa presa", afirmou.

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