Um grupo de especialistas reunidos na Unicamp elaborou um conjunto de propostas de atualização da regulamentação da cannabis medicinal no Brasil. O documento, que será encaminhado à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) nas próximas semanas, aponta quase 30 sugestões de mudança na Resolução RDC 327/2019, que trata da produção e comercialização de derivados da planta em território nacional.
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Entre os principais pontos do texto estão a inclusão da cannabis como produto magistral (manipulado), a ampliação do número de profissionais autorizados a prescrever os medicamentos e a flexibilização do limite de THC de 0,2% para 0,3% em prescrições com receita especial. O THC (tetrahidrocanabinol) é a substância responsável pelos efeitos psicoativos da cannabis, atualmente permitida em doses superiores a 0,2% apenas em situações clínicas irreversíveis ou terminais.
Para a professora Priscila Mazzola, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unicamp, o THC ainda é alvo de preconceito. “Existe o mito de que o CBD é a molécula boa e o THC é a molécula ruim. Mas o THC também tem grande potencial terapêutico e, em muitos casos, sua prescrição — isolada ou combinada — pode ser a mais adequada”, afirmou.
O evento que deu origem ao documento ocorreu no último dia 8 de maio, na Unicamp, e reuniu cientistas, profissionais da saúde, representantes de associações de pacientes, juristas e a sociedade civil, em parceria com o Conselho Regional de Farmácia de São Paulo (CRF-SP). A consulta foi motivada por uma chamada pública da Anvisa, que estuda a revisão da atual legislação.
Manipulação e acesso
Outro ponto central das propostas é a regulamentação definitiva da manipulação de medicamentos à base de cannabis em farmácias, o que poderia ampliar o acesso e reduzir custos. Atualmente, farmácias que produzem esses itens atuam mediante autorizações judiciais provisórias.
Hoje, apenas médicos estão autorizados a prescrever derivados de cannabis, mas o grupo defende a inclusão de profissionais como dentistas e outros especialistas da saúde, desde que devidamente habilitados e conforme o tipo de formulação. Segundo Priscila Mazzola, “a expansão das possibilidades de prescrição deve considerar critérios técnicos e clínicos, sempre com foco no melhor tratamento ao paciente”.
Os especialistas também propõem ampliar a manipulação para além do CBD e do THC, estudando canabinoides como CBG e CBN, além de explorar os potenciais terapêuticos de terpenos e flavonóides presentes na planta.
Outras mudanças
O grupo também recomenda discutir a inclusão de derivados da cannabis como suplementos alimentares e cosméticos, além de autorizar formulações mais avançadas como nanotecnológicas e de liberação modificada. Eles sugerem ainda possibilitar a dispensação por associações, que atualmente atendem pacientes por meio de decisões judiciais.
Quatro formas atuais de acesso
No Brasil, há quatro formas legais de obtenção de medicamentos à base de cannabis:
- Autocultivo com autorização judicial;
- Importação, via sistema regulado da Anvisa;
- Compra em drogarias autorizadas;
- Cultivo associativo, viabilizado por associações de pacientes com permissão judicial.
De acordo com o Anuário da Cannabis Medicinal no Brasil 2024, o país já soma mais de 672 mil pacientes em tratamento com derivados da planta.
Dez propostas principais que serão levadas à Anvisa:
- Definição do produto magistral de cannabis;
- Ampliação das vias de administração permitidas;
- Alteração no limite de THC de 0,2% para 0,3%;
- Inclusão de outras substâncias canabinoides além de CBD;
- Autorização de manipulação em farmácias;
- Substituição da Notificação de Receita A por B em certos casos;
- Inclusão de associações como pontos de dispensação;
- Ampliação dos profissionais autorizados a prescrever;
- Permissão para fórmulas nanotecnológicas e de liberação modificada;
- Discussão sobre regulamentação para suplementos e cosméticos.