GAZETILHA

O general enjaulado

Por Corrêa Neves Jr. | Editor do GCN/Sampi
| Tempo de leitura: 7 min
Montagem/Fábio Pozzebom/Agência Brasil

"Mais vergonhoso que a derrota é um soldado sem honra, pois mesmo a vitória, conquistada por mãos corruptas, é apenas uma máscara de vergonha"
Sun Tzu, general e filósofo chinês

Braga Netto está preso no Rio de Janeiro. Decisão determinada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, a pedido da Polícia Federal e com aval do procurador geral da República, Paulo Gonet, levou para a prisão um general de quatro estrelas do Exército (topo da carreira militar), ex-ministro chefe da Casa Civil e ex-candidato a vice-presidente da República na chapa encabeçada por Jair Bolsonaro. É a primeira vez na história do Brasil que um militar desta patente é encarcerado, ainda que preventivamente.

Como o destino por vezes é irônico, Braga Netto foi conduzido pelos agentes da PF para a Vila Militar na 1ª Divisão do Exército, já que membros das forças armadas não podem ser detidos em presídios comuns. Acontece que a Vila Militar é parte do complexo do Comando Militar do Leste, que foi chefiado pelo próprio Braga Netto entre 2016 e 2019. Sem nenhum exagero, pode-se afirmar que o general está absolutamente familiarizado com as instalações de onde não pode mais sair - pelo menos, por enquanto.

Desde que a prisão de Braga Netto foi consumada no início da manhã deste sábado, 14, veículos de comunicação não param de atualizar informações sobre novos detalhes da trama golpista que pretendia assassinar o presidente eleito, Lula, bem como fazer o mesmo com o vice, Geraldo Alckmin, e o próprio ministro do STF Alexandre de Moraes, impedindo a transição de governo. Segundo o planejado, as eleições seriam anuladas por “fraude”; um gabinete de crise, convocado; e uma nova disputa (sem Lula, que estaria morto) seria marcada. Nos delírios desta gente de farda, Bolsonaro acabaria então eleito.

Especificamente, são duas as razões principais que levam à prisão de Braga Netto. A primeira, novas revelações feitas pelo ex-ajudante-de-ordens de Bolsonaro, o tenente coronel Mauro Cid, que disse em depoimento que a reunião com os oficiais das forças especiais que tiveram a ideia do triplo assassinato aconteceu na casa de Braga Netto. E dele recebeu aval para execução.

Dias depois, o próprio Braga Netto entregou, numa sacola de vinho, R$ 100 mil em espécie a um dos coronéis das forças especiais para financiar o plano dos assassinatos. Mauro Cid disse que esta reunião aconteceu no Palácio do Alvorada ou no Planalto (ele disse que não se lembra exatamente onde), mas garantiu que testemunhou a cena. Além do próprio depoimento, há mensagens obtidas no celular de Mauro Cid que reforçam o que ele disse.

A segunda razão também tem a ver com Mauro Cid. Ele disse que depois que saiu da prisão, foi contatado, direta e indiretamente, via seu pai, também general, por Braga Netto, que buscava obter detalhes do que teria sido dito por ele na delação premiada. Foi uma tentativa, uma pressão, também, para evitar que Mauro Cid dissesse mais coisas, além de conseguir elementos para ajudá-lo a confundir e embaralhar as investigações. Há ainda um pen drive, pertencente ao ex-assessor de Braga Netto, Antônio Pelegrino, e apreendido na sede do PL, nas salas que ambos ocupavam. No dispositivo, há inúmeros documentos detalhando as estratégias dos golpistas para desestabilizar o sistema democrático, desacreditar as urnas eletrônicas, planos para o pós-golpe e por aí vai...

Recorde-se que, além disso tudo, os ex-comandantes do Exército, general Freire Gomes, e da Aeronáutica, brigadeiro Baptista Jr, já confirmaram em depoimentos à Justiça que participaram de reuniões com o próprio então presidente Bolsonaro em que foi discutida a minuta de um golpe de Estado, que só não avançou por conta da resistência de um grupo de altos oficiais. O próprio Freire Gomes teria ameaçado prender Bolsonaro se ele persistisse naquele caminho.

Se tudo é tão óbvio, se sobram provas materiais, se os fatos estão mais do que claros, se os próprios personagens confirmam o que houve, se milhares de brasileiros acamparam na frente dos quartéis verbalizando estas mesmas ideias espúrias, por que quase metade do Brasil segue defendendo Jair Bolsonaro? Por qual razão, mesmo diante do óbvio, dito, repetido e comprovado, tanta gente ainda minimiza, relativiza ou simplesmente nega o que houve?

Basicamente, porque o problema não são os fatos, mas suas percepções. Tem mais a ver com neurociência e psicologia do que com política e informação. Não é que as pessoas não saibam o que houve e, nem mesmo, que não acreditem no que estão vendo. No fundo, a questão central para parte significativa dos brasileiros é que toda esta aberração não apenas era justificável como, também, necessária para corrigir uma distorção anterior (a “absolvição” e posterior eleição de Lula). Assim, imaginam, num sistema “apodrecido”, no qual um presidente considerado ladrão  conseguiu se safar e ser eleito, só mesmo as Forças Armadas, usando atribuições que, acreditam, fazem parte da Constituição, é que poderiam resolver tudo – até, matando, em nome do “bem maior”. Quem pensa assim enxerga tudo invertido. E não há fato que possa surgir capaz de reverter esta percepção.

Não inventei nada disso. Tais comportamentos estão bem descritos na neurociência, especialmente com relação ao nosso “comportamento tribal”. Gostamos e nos sentimos confortáveis como parte de um grupo, qualquer que seja ele.

Também existe a “polarização emocional”. Sentimentos como medo, raiva e ressentimento dificultam o processamento de argumentos racionais. É como a criança que sofre ao entrar num quarto escuro. Não adiante dizer que nada há de perigoso lá dentro. Ela não vai acreditar. E vai atacar quem disser o contrário, chorar ou se desesperar.

Há ainda o “viés de confirmação”, que se faz presente quando gostamos e nos sentimentos confortáveis com uma ideia. Então, só procuramos fatos que reforcem sua validade. É como quando alguém acredita que suco de abacaxi emagrece. Ele vai ignorar todos os alertas médicos e o bom senso, e “validar” para si mesmo apenas os “vídeos” que viu de gente que jura ter perdido 40 quilos com o suco. Pouco importa que existam apenas 10 vídeos de gente dizendo que emagreceu com abacaxi e 250 depoimentos de médicos afirmando o contrário. O “viés de confirmação” faz com que acredite apenas naquilo que reforça sua crença.

Para quem tiver curiosidade intelectual, vale ler as obras de autores e cientistas como Daniel Kahneman, Amos Tversky, Joseph LeDoux e Steven Pinker. Tá tudo bem explicadinho para quem tiver disposição de ler. É bom não só para aprender, como também para se autocompreender um pouco mais. 
O paradoxal é que aqueles que estão contaminados pelo viés bolsonarista dificilmente vão ter interesse em tentar entender porque agem assim, apesar dos fatos, e muito menos disposição para mudar o próprio comportamento, porque nada percebem de errado.

Assim, para efeitos de parte significativa da população, a prisão do general Braga Netto, ou de tantos outros, o conjunto de evidências, os elementos concretos, a confissão de Mauro Cid, os relatos de Freire Gomes e Baptista Jr, nada disso muda a percepção deste grupo. Sentem-se perseguidos, “ungidos” por Deus para uma missão, acreditam que são os “mocinhos” e tudo isso vai continuar do mesmo jeito. Na melhor das hipóteses, por anos. Não é difícil que se estenda por décadas.

Enquanto isso, que se aplique a lei. A Constituição não é feita para a maioria, mas para todos. Leis não existem para serem cumpridas por alguns, mas por cada um de nós. Que os responsáveis pelos atos golpistas, pelos planos de assassinato de autoridades, por atentarem contra as instituições, sejam processados, julgados e, comprovada a culpa, punidos. Ainda que sejam generais, mesmo que tenham ocupado a presidência da República. Porque a lei não deve se sujeitar à aprovação popular nem depender dos humores da população, ou de parcela dela, para a sua aplicação.

Há um brocardo jurídico que bem resume este conceito. “Dura lex sed lex”. A lei é dura, mas é a lei. Que seja, então, aplicada. E todos, punidos. Especialmente, líderes como Braga Netto. E, se comprovada a culpa, que na percepção de quem tem dois neurônios é bastante óbvia, também seu líder, Jair Bolsonaro.

Corrêa Neves Jr é jornalista, diretor do portal GCN, da rádio Difusora de Franca e CEO da rede Sampi de Portais de Notícias.

Comentários

11 Comentários

  • Mauro 2 dias atrás
    O título da \"gazetilha\" já indica todo o viés do jornal e do jornalista..... que nunca demonstrou isenção, assim como as outras \"grandes mídeas\", quando deveriam ser isentos, por isso essa descredibilidade. Os indícios de obstrução de investigação na decisão de prender de Braga Netto são antigos, portanto, não poderiam ter sido usados como justificativa para a decretação... mas no Brasil, a esquedalha tudo pode. E que golpe é esse??? Como disse o jornalista \"na percepção de quem tem dois neurônios é bastante óbvia\" que não ouve golpe. O verdadeiro \"golpe\" foi libertar um condenado por mais de uma dezena de juízes, em três instâncias, envolvido em escândalos como o Mensalão, o Petrolão, que hoje utiliza o STF como extensão do seu projeto político, e \"colocá-lo\" na presidência do país. Gostaria de ver como se comportará essa mesma impressa enviesada assim que o STF começar a regular as redes sociais.
  • jaques campos 2 dias atrás
    Concordo \'ipsis litteri\'com Jose Roberto. Audotoria na divida publica!
  • Antonio Flavio do Nascimento 2 dias atrás
    Quem é que não vive enjaulado hoje em dia? Todos estamos enjaulados , em nossas casas, em nosso trabalho, nas redes sociais ,etc. Não tenho mais a liberdade que vivi no passado. Foram suprimidas abruptamente. Na verdade, saí de uma jaula e entrei em outra acreditando em dias melhores. Vivemos um processo de enjaulamento progressivo que me faz recordar uma frase que os nazistas diziam para justificar todos os abusos do Estado: \" é para segurança de todos\".
  • Rinsa 3 dias atrás
    Não discutam política. É perca de tempo um fala mal do outro e daí á pouco um é candidato e o outro é seu vice. Veja o caso atual Lula presidente e Geraldo vice presidente. Um falava mal do outro e estão juntos agora. Na minha opinião fizeram merda em prisão preventiva de um general. Policiais são unidos.
  • Roberto 3 dias atrás
    Quer dizer então que quando o ex-presidiário,descondenado de 3 instâncias também já foi ENJAULADO? Acho que o objetivo desta matéria nada mais é que denegrir a imagem da DIREITA no país. Só lembrando o TRIBUNAL DE HAIA não dorme,A esquerda pagará por seu crimes e por ter levado o país a desgraça e a miséria.
  • José Roberto 3 dias atrás
    Essa história começou lá atrás. Com a crise do petróleo nos anos 70 e, consequentemente, a implantação do neoliberalismo e a desregulamentação do sistema financeiro foram feitas promessas de que o livre mercado geraria igualdade de oportunidades, desenvolvimento econômico etc. Acontece que nada disso se concretizou. Foi uma farsa para aumentar os lucros relativos do grande capital. O T. Piketty comprovou isso em seus estudos, resumidamente, mostrou que os lucros foram caindo devido a criação do Welfare State, ou seja, tirou-se um pouco dos mais ricos para dar saúde, educação, segurança para a população em geral e isso incomodou muitos os muitos ricos. Quando gente fala ricos. É a gente muito rica mesmo não é seu patrão que tem rancho em Peixoto. São pessoas que especulam, não trabalham, apenas exploram não tem vergonha de apoiar neofascist4s. Hoje vemos muitas pessoas capacitadas que os pais lutaram para que os filhos estudassem e fizesse uma faculdade, pós-graduação etc. Hoje são Uber, trabalhador informal, entregador do ifood SEM NENHUM direito trabalhista. As promessas que Ronald Reagan e Margaret Thatcher fizeram foi pura ilusão. E faz 40 anos onde a violência e desigualdade cresceram o desemprego estrutural aumentou exponencialmente. Na pandemia os bilionários ficaram mais ricos e a classe média e os pobres ficaram mais pobres. A extrema-direita consegue manipular essa raiva falando de sistema, imigrantes, etc e não fala a verdade o povo acreditando na meritocracia e não na exploração e no desvio de recursos via dívida pública pensa que os políticos outsiders que não tem nada de fora do sistema falam o que eles tem de angústia e votam em políticos abjetos. Se quiserem entender mais basta acompanhar o Professor Jessé Souza e a auditora Maria Lúcia Fattorelli. Mas, como bem pontuado pelo autor (C. N. Júnior) a extrema-direita sofre dissonância cognitiva e acredita em um mundo paralelo. Infelizmente vamos conviver com essa aberração durante muito tempo que no Brasil teve seu nascimento com a Lava-Jato (Vaza Jato, Farsa Jato), pois foi uma perseguição político-juridico baseada no lawfare. Não se discute que houve corrupção, mas a justiça não pode ser Batman combater o crime fazendo crimes. Além disso, teve forte influencia do capital internacional incomodadas com o crescimento das construtoras nacionais. A extrema-direita moralizou e banalizou a corrupção que nunca é bom. Mas, a verdadeira corrupção é o que o sistema financeiro (Bancos) se apropriam do orçamento público e ficam fazendo escarcéu quando o governo quer tirar as pessoas de pagarem imposto de renda. A grande mídia financiada pelos bancos em suas propagandas se tornaram newsletter de banco. A grande mídia fala que o seu patrão (Bancos) quer para iludir o povo. AUDITORIA DA DÍVIDA PÚBLICA JÁ!!!!!!!
  • Gustavo 3 dias atrás
    Acho gozado vcs da pequena burguesia paulista anafalbeta política. Tem uma retórica na qual se dizem democratas, mas apoiam Alexandre Herculano , que por sua vez apoiam Fascirsio e o SS Derrite, que por sua vez apoiam o Bozo e o golpe. Cara, vc é um brincalhão. Não é sério.
  • Alvaro 3 dias atrás
    Estamos vivendo uma ditadura de toga pior que a do regime militar. A gestapo federal do molusco fazendo esse papel vergonhoso, cumprindo ordens manifestamente ilegais com base em narrativas e suposições. O calhorda do molusco utilizando todo o aparato estatal para perseguir seus opositores políticos. E aí vem esse \"jornalista\" desse jornaleco com esse artigo ridículo, tendencioso e falacioso. LAMENTAVEL!!
  • Jesuino Salgado 3 dias atrás
    O saudosista do golpe de 64 apostou e perdeu, que perca também as garantias que a democracia confere aos legalistas e democratas.
  • Darsio 3 dias atrás
    Tínhamos que aproveitar o momento e colocar fim a todos os privilégios das forças armadas, notadamente os de pijama. Somente a previdência desses caras causa um rombo estratosférico aos cofres da União e, que acaba sendo pago pelo trabalhador comum. Bolsonaro estrangulou o sonho dos trabalhadores em se aposentar e, em nada mexeu na previdência dos militares e, até mesmo aumentou os seus vencimentos e privilégios. Não é justo que um trabalhador comum seja dificultado em se aposentar e ao mesmo tempo a sua contribuição previdenciária seja usada para tapar o buraco na previdência dos militares. Essa história de que os generais são patriotas é conversa para boi dormir, pois o que realmente lhes interessa é mais grana, privilégios e poder. Se Lula nada fizer para colocar fim aos privilégios dos militares, em nada se diferenciará do Bolsonaro. Quanto a esse último, sugiro a Polícia Federal controlar a fronteira com a Argentina, pois o chefe dos golpistas está apenas esperando que o Trump tome posse para então fugir para os EUA.
  • Helio P. Vissotto 3 dias atrás
    \"Há mais de 10 dias o \"Inquérito\" foi concluído pela PF, indiciando 37 pessoas e encaminhado ao MP. Como alguém, hoje, pode ser preso por obstruir investigações já concluídas?\" (Jair Bolsonaro) LEI ORA LEI.