
Encantei-me com o Padre Cícero Romão Batista (1844-1934), de Juazeiro, nos meus 12, 13 anos. Via nele a fé, o respeito pelo outro, o envolvimento com as pessoas vestidas de dores e dificuldades. Como escreveu seu conterrâneo, o poeta João Mendes de Oliveira: "Perante a lei da verdade/ não vou dizer nada à toa, / Padrinho Cícero é uma pessoa/ da Santíssima Trindade".
Já lera o livro "Padre Cícero - Poder, Fé e Guerra no Sertão", de Lira Neto, quando meu querido amigo, Ismael Félix - será ordenado Diácono no próximo dia 22, assim como outro querido, Edisandro Lima -me emprestou o livro "O Padre Cícero que eu conheci" da educadora Amália Xavier de Oliveira (1904-1984), que conviveu com ele. Não tenho dúvida de que é sua verdadeira história.
O Ismael é filho de Umburanas, no Ceará, proximidades de Juazeiro do Norte, e fala do Padim Ciço com os olhos plenos de luz, fé e ternura e muito me disse sobre ele.
Os problemas do Padre Cícero com a hierarquia da Igreja começaram com o milagre ocorrido na Capela de Nossa Senhora das Dores do povoado de Juazeiro em 1889. A beata Maria de Araújo, ao receber de suas mãos a Hóstia consagrada, foi esta transformada em sangue, repetindo-se o fenômeno muitas vezes naquele ano. Padres e médicos ilustres, depois de pesquisas minuciosas, atestaram serem verdadeiras as manifestações, que fugiam das explicações científicas. O Bispo responsável pela região, contudo, não aceitou e as informações que chegaram a Roma foram as piores, chegando à excomunhão do Padre Cícero.
Milagre complicado para alguns detentores do poder da Igreja, pelo Senhor se manifestar numa região pobre e se fazer presença em uma mulher analfabeta e, ainda mais, afrodescendente. Há pessoas tão apegadas a aparências, a "achismos", que pensam poder decidir onde o Senhor se comunica.
Padre Cícero, embora silenciasse sobre o milagre, por ordem superior, não abriu mão de sua alma missionária e dos pobres e sofredores. A todos dirigia palavras de consolo, convidava a mudanças e abençoava. Um de seus conselhos: "quem mentir, não minta mais, pois a mentira é filha do diabo e o mentiroso seu encarregado".
Proibido de celebrar em Juazeiro, deslocava-se de cidade em cidade, acompanhado por seguidores e levava a Palavra de Deus aos sertanejos Era de ação pacificadora e da oração. Tinha intrínseca a bondade evangélica.
Chegou a abençoar os cangaceiros que chegavam para pedir perdão pela vida do crime e diversos se redimiram. Foi criticado por receber Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. Afirmou: "Aqui no Juazeiro eu recebo todas as pessoas que me procuram e fico satisfeito em prestar assistência a um transviado da sociedade, procurando guiá-lo no bom caminho".
Não se tornou hostil com seus superiores na Igreja. Era de sorriso benevolente, olhar sereno, meigo e penetrante.
As pessoas não se importaram com as punições pela Igreja. Continuaram tendo nele o Padim Ciço, o padrinho que lhes protegia, que lhe trazia Deus, que os motivava a rezar e se misturava com os pobres. Em 2015 aconteceu sua reabilitação pela Igreja, ficando entendido que ele não errou.
Deus falou forte em Juazeiro do Norte, na voz e na vida do Padre Cícero, e Sua fala ecoa no coração dos devotos e dos romeiros.
Maria Cristina Castilho de Andrade é professora e cronista