OPINIÃO

Ocasos de seu Raimundo


| Tempo de leitura: 3 min

Poeta conhecido e paparicado em vida, Raimundo Correia foi sendo esquecido pelas gerações posteriores. Um pelotão de autores e críticos dos anos seguintes -- com exceções notáveis, como a de Manuel Bandeira -- trataram seu Raimundo como poeta de segunda linha. Sua poesia ficou colada ao beletrismo do final do século 19, início do século 20, na seara que se convencionou chamar de Parnasianismo. Seria ele um “poetastro”, da turma que fala difícil e diz pouco. Seria mesmo? Seu Raimundo conhece o ofício. Pertence à tradição dos autores de versos rimados, de métrica regular e uniforme, com ritmo bem composto.

Como no seu afamado "As pombas”: “Vai-se a primeira pomba despertada/Vai-se outra mais...mais outra... enfim dezenas/De pombas vão dos pombais, apenas/Raia sanguínea e fresca a madrugada...”. Nesses versos, destaca-se o visual de as pombas batendo asas no céu avermelhado do amanhecer. E seguem os versos: “E à tarde, quando a rígida nortada/Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,/Ruflando as asas, sacudindo as penas,/ Voltam todas em bando e em revoada.../” E aí, leitor, visualizou a bicharada voando de volta para casa? E na sequência, aparece a associação entre as pombas e os sonhos humanos: “Também dos corações onde abotoam,/ Os sonhos, um por um, céleres voam,/Como voam as pombas dos pombais;/ No azul da adolescência as asas soltam,/Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,/ E eles aos corações não voltam mais...”. De acordo com o texto, os sonhos humanos assemelham-se às pombas, pois partem cedo, na juventude. Sonhos que batem asas e escapam rápidos. Mas diferentes das pombas que retornam a seus lares, os sonhos humanos não voltam mais. Melancólico, não?

A mesma nota tristonha pode ser percebida em outro soneto do autor: “Esbraseia o Ocidente na agonia/O sol... Aves em bandos destacados,/Por céus de ouro e de púrpura raiados,/Fogem... Fecha-se a pálpebra do dia...” Olha aí, de novo as aves. Elas surgem a Oeste, no entardecer. Se no primeiro poema as pombas aparecem cedo para depois retornarem a seus ninhos, aqui as aves assemelham-se à luz do dia – e tanto aquelas como essa fogem.  “Delineiam-se, além, da serrania/ Os vértices de chama aureolados,/E em tudo, em torno, esbatem derramados/Uns tons suaves de melancolia.../”. As imagens ocupam a cena toda, intensas: “Um mundo de vapores no ar flutua.../ Como uma informe nódoa, avulta e cresce/A sombra à proporção que a luz recua...”. A luz some de vista e as sombras ocupam o espaço. “A natureza apática esmaece.../ Pouco a pouco, entre as árvores, a lua/ Surge trêmula, trêmula... Anoitece.” Ao descrever o crepúsculo, o poeta destaca a luminosidade que, aos poucos, perde para a escuridão. Pelos versos esparrama-se a mesma tristeza entrevista em “As pombas”.

O maranhense Raimundo da Mota de Azevedo Correia nasceu em 1859. Formado em Direito, trabalhou como juiz em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. Foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras. Morreu em Paris, em 1911. Seu Raimundo não é para ser deixado de lado, não. Seus versos pedem atenção. Sua obra merece respeito.

Fernando Pellegrini Bandini é professor de Literatura

Comentários

Comentários