Sempre me lembro de um amigo judeu, que me questionava: “Se eu acreditasse que Deus está em pessoa na Eucaristia, eu procuraria todas as oportunidades para estar com Ele junto ao sacrário!”.
Essa afirmação serviu e serve como chicotada. Imersos naquilo que é acidental, deixamos de lado o essencial. Hoje é a festa do “Corpus Christi”, ou do “Corpo de Deus”. Data importante para refletir e revalorizar a promessa de Cristo: “Fazei isto em memória de mim!”.
A pequenez de nossa mente impede absorção integral do mistério que justifica nossa crença. A permanência do Salvador, “corpo, alma e divindade”, no sacramento da comunhão.
Trilhar a sombra não é exclusivo e próprio dos incréus, dos “homens de pouca fé”. Cristãos autênticos, assim como Charles Foucauld (1859-1916), também sofreram a passagem pela “noite escura” da dúvida. De seus escritos, extrai-se o lamento: “Tudo é penoso para mim: comunhão, oração, tudo, até mesmo dizer a Jesus que o amo. Preciso agarrar-me à vida de fé. Se ao menos sentisse que Jesus me ama. Mas ele não me diz nunca”.
Foi um homem de ação e de oração. Sua luta era o enfrentamento da vontade de permanecer só, em êxtase junto à presença do Senhor na hóstia consagrada e a vontade de contagiar todas as pessoas para que também conhecessem e amassem o Cristo. Por isso afligir-se com a sensação de vazio que às vezes o atormentava: “Diante do Santíssimo Sacramento, tudo me parece vazio, vazio, oco, nulo, sem proporção, exceto o fato de estar ali aos pés de Nosso Senhor e de olhá-lo. E depois, quando estou a seus pés, fico seco, árido, sem palavra ou pensamento, e muitas vezes, ah! Acabo dormindo”.
Foucauld foi um verdadeiro missionário. Pregou em território adverso, no Marrocos pagão, indignou-se com a vida indigna dos excluídos. Escreveu a um amigo frases veementes: “É necessário que se diga: ai de você, hipócritas! Imprimem nos selos liberdade, igualdade, fraternidade e subjugam escravos. Punem o roubo de um franco e permitem o de um homem. Não temos o direito de permanecer como “sentinelas adormecidas”, “cães mudos”. É Jesus que está nesta dolorosa situação”.
Mas nunca perdeu a confiança no Jesus presente. Tanto que, a partir de certa fase de sua vida de sacrifícios, passou a dormir junto ao Santíssimo.
Quis vivenciar uma reprodução do Evangelho, muito simples, mas acessível a todos. Devotou-se, de coração, a chamar outras almas para se achegarem ao Cristo. Sua lição de apostolado é atemporal, válida para todos, a todo o tempo: “Como ser apóstolo?
Pela bondade e pela ternura, pelo amor fraterno, pelo exemplo de virtude, pela humildade e doçura, sempre tão atraentes e tão cristãs. Com alguns, sem lhes dizer nunca uma palavra sobre Deus ou sobre religião. Pacientemente, como Deus é paciente, sendo bom como Deus é bom, sendo irmão o afeto e nas preces. Com outros, falar de Deus, na medida em que podem assimilar. Sobretudo, ver em cada homem um irmão. Ver em cada homem um filho de Deus, um homem resgatado pelo sangue de Jesus.
Afastar de nós o espírito conquistador. Como é grande a distância entre a maneira de fazer e de falar de Jesus e o espírito conquistador daqueles que não são cristãos ou são maus cristãos e só veem inimigos a serem combatidos”.
Sua vida foi transformada quando assumiu o versículo 40 do capítulo 25 de São Mateus: “Tudo o que fizestes a cada um desses irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes”.
Neste Corpus Christi de 2025, reflitamos sobre nossa opção existencial.
José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo (jose-nalini@uol.com.br)