
Em Jundiaí, cidade com 443.221 habitantes, 13.096 pessoas possuem algum grau de deficiência visual, segundo o último dado do Observatório dos Direitos da Pessoa com Deficiência. No Brasil, o uso do cão-guia é permitido apenas para pessoas cegas ou com baixa visão, mas o acesso ainda é restrito são apenas cerca de 200 cães-guia em atividade em todo o país.
O processo de formação de um cão-guia é longo e rigoroso. "Tudo começa na escolha dos pais, que precisam ter a genética adequada para evitar problemas como a displasia", explica Fabiano Pereira, instrutor e responsável técnico pelo Instituto Adimax. Ainda na maternidade, os filhotes iniciam a desensibilização sonora com ruídos de buzinas, máquinas de lavar e vozes humanas. Também recebem estímulos táteis constantes. “Como o tutor tocará muito no cão, ele precisa estar habituado a esse contato físico desde cedo”, acrescenta.
Filhotes recebem estímulos desde os primeiros dias de vida
Aos poucos, os filhotes avançam para a fase de socialização com famílias voluntárias. “Eles frequentam lugares públicos, aprendem a se comportar em ambientes como restaurantes e shoppings, e passam por avaliações físicas e comportamentais constantes”, relata Fabiano. Com cerca de 15 meses, retornam ao instituto para o treinamento específico de guia, que pode durar de quatro a seis meses. “Nesse período, além dos comandos de locomoção, eles desenvolvem o controle emocional para ignorar distrações como cheiros, sons e movimentos inesperados”, afirma.
O vínculo entre cão e tutor é o elemento central da parceria. "Costumo dizer que ensinamos o caminho das pedras para o cão, mas ele o percorre para proteger a pessoa que ama", compartilha o instrutor. Essa conexão afetiva também foi decisiva na trajetória de Alberto Pereira, ou Beto, presidente da Organização Nacional de Cegos do Brasil (ONCB). Cego desde os 12 anos, o jundiaense Beto usou bengala até os 35 anos, quando foi aos Estados Unidos e recebeu seu primeiro cão-guia, Simon, um labrador amarelo.
“Ele me guiou por quase nove anos. Depois, adotei o Terry, um labrador preto, que também cumpriu seu papel com excelência”, conta. Ambos viveram com a família de Alberto até o fim da vida. “É um amor muito intenso. Quando eles envelhecem e morrem, a dor é grande. Por isso, decidi não ter um terceiro cão”, afirma.
Apesar do treinamento cuidadoso, nem todos os cães conseguem se formar. A taxa de sucesso mundial gira entre 40% e 50%. “Se houver qualquer sinal de agressividade ou instabilidade emocional, o cão é retirado do programa”, diz Fabiano.
À esquerda, o instrutor Fabiano Pereira, responsável pelo treinamento. À direita o Tutor Denivane, com o cão-guia Thunder
Além de garantir autonomia e segurança, o cão-guia transforma a relação social do tutor. "Quando a pessoa com deficiência visual está com o cão, ela passa a ser vista pela sociedade", pontua Beto. No entanto, manter um cão-guia exige recursos. "O custo mensal pode chegar a R$ 700, entre alimentação e cuidados veterinários", acrescenta.
Mesmo após a formação, o trabalho do instituto continua. "Acompanhamos a dupla ao longo de toda a vida ativa do cão, até sua aposentadoria", explica Fabiano. Após cerca de 10 a 12 anos de atividade, os cães são aposentados por conta do envelhecimento natural, que afeta visão, audição e mobilidade.
Apesar de a legislação brasileira garantir o livre acesso de cães-guia a qualquer espaço público desde 2006, o desconhecimento da população ainda é um desafio. "A conscientização da sociedade é fundamental para garantir a inclusão real dessas pessoas", conclui Fabiano.
Como solicitar um cão-guia
A formação de um cão-guia pode custar entre R$ 150 mil e R$ 200 mil, mas o Instituto Adimax (organização sem fins lucrativos que atua na inclusão social e no bem-estar animal) disponibiliza os animais gratuitamente para quem precisa. Para solicitar, é preciso preencher o cadastro no site e atender aos seguintes requisitos:
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Ter diagnóstico de cegueira ou deficiência visual severa (conforme Decreto Federal nº 5.904/2006);
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Morar na área de atendimento do Instituto;
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Ter no mínimo 18 anos de idade;
Possuir autonomia de locomoção nas rotinas diárias;
Apresentar a documentação solicitada pelo Instituto;
Ter saúde compatível com o uso do cão-guia.
Durante o processo de formação, uma etapa essencial é a participação das famílias acolhedoras, também chamadas de famílias socializadoras. Elas ficam com o filhote por cerca de um ano, ajudando na adaptação do animal aos ambientes sociais e domésticos. Durante esse período, todo o suporte necessário como alimentação, consultas veterinárias, banho, medicamentos e hospedagem é oferecido gratuitamente pelo Instituto.
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