OPINIÃO

Maternidade fake e os bebês reborn


| Tempo de leitura: 2 min

Uma brincadeira que ultrapassa os limites da lucidez — adultos que cuidam de bonecas hiper-realistas, como se fossem filhos legítimos nascidos de um ventre. A maternidade fake de bebês reborn, atualmente, é amplamente difundida nas redes sociais, clínicas terapêuticas e colecionadores.

As bonecas reborn são confeccionadas artesanalmente com tamanhos, pesos, expressões e texturas que imitam com precisão os traços de um recém-nascido. São vestidas, alimentadas (?), levadas para passear em carrinhos de bebês, recebem nomes e, “naturalmente”, tudo é compartilhado nas mídias. Na realidade, essa prática promove comportamentos de infantilização de adultos e traz em sua sombra a devastadora realidade de que as pessoas estão com dificuldades em assumir responsabilidades pertinentes a sua faixa etária, bem como demonstra uma possível regressão emocional.

Numa sociedade que clama por mais empatia, acolhimento e saúde emocional, submerge o paradoxo que se furta à reflexão do óbvio, acompanhando modinhas. O filósofo e escritor, Luiz Felipe Pondé, fala que “a sociedade contemporânea não está promovendo o amadurecimento emocional, mas o adiamento crônico da adultez”. Para ele, há uma idealização da vulnerabilidade e uma aversão à dor emocional, típica da maturidade. Em vez de enfrentar a solidão, o fracasso e a incompletude — elementos da vida adulta —, recorrem a narrativas emocionalmente confortáveis, desconectadas da realidade.

A maternidade fake é sintoma desse deslocamento. Simula-se o cuidado e o vínculo, mas sem o risco da entrega real, do cansaço cotidiano, das frustrações da maternidade de verdade. A boneca não chora fora de hora. Não adoece. Não demanda. Ela está ali, sob controle. Diferentemente de um filho, ela é um afeto sem reciprocidade. Um espelho afetivo.

Não é de hoje que estudos apontam para a idiotização da humanidade, e, talvez, seja mais sério do que pensemos. O fenômeno serve para descrever o empobrecimento da linguagem, do raciocínio moral e da capacidade crítica. “A burrice não está em não saber. Está em desistir de pensar”, afirma Pondé. A prática de cuidar de bonecas como se fossem bebês pode ser interpretada, fora do contexto terapêutico, como parte de um cenário maior de regressão simbólica, no qual o adulto abdica da maturidade em troca de afeto controlado, previsível e emocionalmente reconfortante.

James R. Flynn observou o aumento constante nos escores médios de QI (Quociente de Inteligência) ao longo do século 20. Paralelamente, pesquisas indicam que algumas populações têm apresentado estagnação ou declínio, chamado de "efeito Flynn reverso". Estudos sugerem que fatores como mudanças nos sistemas educacionais, estilos de vida e exposição a tecnologias digitais podem contribuir para essa tendência.

A combinação de comportamentos regressivos e possíveis declínios cognitivos apontam para a necessidade urgente de uma reflexão profunda sobre os rumos da cultura contemporânea. Valorizar e promover uma educação que valorize o pensamento crítico, a responsabilidade e o amadurecimento emocional, é essencial para o desenvolvimento integral das pessoas e para a sociedade que queremos ter.

Rosângela Portela é jornalista, mentora e facilitadora (rosangela.portela@consultoriadiniz.com.br)

Comentários

Comentários