Icônico. Esteticamente provocador e tenso. Talvez sejam estes alguns dos adjetivos que poderia usar para descrever o confronto de olhares entre atletas antes de uma luta profissional começar.
Chamado popularmente de “encarada”, o ritual faz tanto parte do espetáculo quanto a competição desportiva em si, tanto que existe um momento específico, geralmente depois da pesagem, onde os dois atletas, exibindo o físico afiado e pronto para o combate, põem à prova suas mentes, colocando-se perigosamente à frente um do outro, com olhar mortal e sem piscar, perfurando seu algoz. Contudo, seria o lutador à sua frente, seu maior adversário?
Faz parte da natureza humana desejar encarar seus medos. Olhar dentro dos olhos do seu maior terror e, com um sorriso tenso nos lábios, pensar: “Eu não tenho medo de você!”. Acreditamos que desta forma, nos libertamos do medo. O vencemos. Acabamos com ele. Ledo Engano, isso sim.
Tenho contato com situações similares no meu consultório ao tratar de dores e tensões que se iniciaram com processos de trauma emocional. Com frequência, “estocamos” as dores sentidas em momentos estressantes nas fáscias e tendões do nosso corpo, além das redes neurais da nossa memória cerebral. Uso acupuntura e osteopatia para tratar essas tensões e, muitas vezes, o paciente tem reações neste processo: choro, angústia, medo, palidez, sudorese em mãos e tremores, tudo como se estivesse vivendo a situação novamente, naquele mesmo momento.
Reviver o trauma é pouco útil para resolver as repercussões que o envolvem. Caso decida fazê-lo na vida “real”, fora um ambiente controlado como a maca do meu consultório, pode ser até perigoso. Esse impulso é o que leva indivíduos com falta de amor-próprio buscarem relacionamentos com narcisistas manipuladores, à semelhança daqueles que os fizeram sofrer e se deprimir na primeira vez.
Normalmente o que conseguem é sofrer mais, se machucarem e deprimirem novamente. Ao melhorarem, procuram novamente situações tóxicas para tentarem recontar a história, mas o fracasso é quase certo. Isso ocorre não porque eles não têm força de vontade, mas sim porque não “encaram” o problema do jeito certo.
Volto para a luta e explicarei: na “encarada”, o lutador deve olhar profundo para dentro de si mesmo. Tem que entender seus próprios medos que o levaram a escolher a luta como algo que o preenchesse. Entender do que estava “fugindo” de lidar quando resolveu ser um lutador ou mesmo o que a luta, com seu baile de vitórias e derrotas, previne que o próprio indivíduo saiba.
Do mesmo modo, quem escolhe um manipulador como lenitivo, tem que olhar de onde veio a falta do seu amor-próprio que o levou a fazer uma escolha tão ruim para si mesmo. Encarar o medo do abandono, da rejeição, da carência de pais cuidadosos que nunca teve. Olhar para o abismo apavorante dentro de si e saber-se só, contanto com mais nada.
Ambos, lutador e paciente, devem, então, encontrar conforto nesta situação tão incômoda. Cientes da própria dor, mas sem serem subjugados por ela. Quem entende isso, toma para si a força de viver a própria vida, pelos caminhos que escolheu e não tem medo de adversário algum, lutador ou manipulador, pois a verdadeira “encarada” já aconteceu dentro de si e dela saiu mais íntegro, completo, sábio e por isso, vitorioso.
Alexandre Martin é médico, especialista em acupuntura e com formação em Medicina Tradicional Chinesa e Osteopatia.(xan.martin@gmail.com)
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Jose Antonio Bergamo 4 dias atrásAdmirável e instrutiva orientação!