OPINIÃO

Damieta e Jundiaí


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Dia 27 de março ocorreu, na sede da Ciesp, a posse do novo presidente da OAB-Jundiaí, Dr. Daniel Martinelli. Em meio a diversas autoridades civis, militares e uma multidão de advogados da região, ocorreu também um belo encontro: representantes de diversas religiões, que ali estavam, deram a todos um sinal de que é possível a convivência respeitosa e alegre entre os diferentes.

O bispo diocesano, Dom Arnaldo Carvalheiro Neto, havia sido convidado como representante da Igreja Católica. E ele fez questão de estender tal convite a outros representantes, como a monja budista Gen Kelsang Chime, o babalorixá Denis Hilário e a mãe de santo Juliane Fernandes, do núcleo umbandista Novos Caminhos. E eu fui acompanhando minha mãe (a monja, no caso) e meu chefe (o bispo, no caso). Foi uma noite realmente memorável. Pelos encontros, reencontros, e pelo sinal ali presente, de representantes de religiões tão diferentes, convivendo em paz e harmonia, cada um sem querer convencer o outro, sem proselitismo. Isso é cultura de paz, que precisa ser ensinada, aprendida e estimulada. Afinal, precisamos entender que nem a violência, nem a paz, são naturais à atividade humana.

Explico: por um lado temo a violência, considerada um como fenômeno social complexo, pode surgir em grupos, pessoas, ações e relacionamentos como resposta a uma transformação, por outro e consequentemente, a paz deve ser cultivada, ensinada, aprendida e estimulada. Para efetivar essa mudança de ótica. Sem falar do diálogo inter-religioso, algo que deve ser valorizado cada vez mais. Vivemos em uma sociedade plural: não há mais o predomínio de um pensamento hegemônico. Não há mais com o pensar em conversões forçadas, guerras religiosas. Até porque nenhuma religião do mundo consegue sobreviver ao "Deus" dinheiro.

Os seres humanos, cada vez mais individualistas e sedentos por consumo, ainda não entenderam que essa filosofia não leva a lugar algum. Porém, algumas pessoas (radicais tradicionalistas) ainda têm nostalgia de um passado que não viveram e que só existe em suas cabeças. Odeiam o presente. Odeiam o diálogo. Para eles, de nada serviu a tolerância ou a busca pela paz. O mundo está cada dia pior.

Esquecem, porém, que a medicina atual é muito mais avançada que há....50 anos! Esquecem que só se comunicam graças aos avanços modernos. E, primordialmente, esquecem de estudar. Esquecem de ler. De compreender. Interpretar. Reclamam do diálogo inter-religioso. Chamam de modernismo maldito.

Mas nesse caso específico, basta ler sobre o encontro entre São Francisco de Assis e o Sultão Al-Malek al-Kamel: em plena quinta Cruzada, em 1219, o Pai Seráfico quis ir ao encontro do Sultão do Egito em Damieta, no delta do Nilo, cerca de 200 quilômetros ao norte do Cairo, onde o líder muçulmano, indo contra o conselho de seus dignitários, acolheu Francisco com grande cortesia. Travaram um debate, onde um tentou converter o outro: nada feito, mas por fim se tornaram amigos e se respeitaram. Trata-se de um dos gestos mais extraordinários de paz na história e no diálogo entre o cristianismo e o islamismo.

Mais de 800 anos depois, em Jundiaí, infelizmente alguns seres humanos mostram que não aprenderam nada.

Por essa razão deve haver um contínuo movimento pela paz: cabe a cada um de nós trabalhar e difundi-la no dia a dia, com generosidade e solidariedade, construindo e reconstruindo novas formas de relacionamento baseadas em princípios não-violentos. E rezar para que um dia as pessoas entendam que a paz se dá pelo exemplo e pelo diálogo.

Samuel Vidilli é cientista social (svidilli@gmail.com)

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