DEMOCRACIA

Debate sobre anistia e democracia se intensifica após o Oscar

Por Amanda Martins |
| Tempo de leitura: 3 min
Arquivo pessoal
Anelize Vergara é Licenciada e mestra em história pela Unesp/ Assis
Anelize Vergara é Licenciada e mestra em história pela Unesp/ Assis

No último domingo (2), após a cerimônia do Oscar, manifestantes foram às ruas em diversas cidades do Brasil para protestar contra a anistia dos envolvidos em atos contra a democracia.  O debate sobre o tema ganhou ainda mais força com a repercussão do filme ‘Ainda Estou Aqui’, que aborda a ditadura militar. Em Jundiaí, o assunto gerou divergências entre vereadores e especialistas, refletindo diferentes perspectivas sobre justiça e democracia.

A professora mestra em História, Anelize Vergara, explica que a Lei da Anistia de 1979 tinha como objetivo extinguir crimes e suas consequências legais, geralmente envolvendo crimes políticos. No seu contexto de criação, o Brasil passava pelo governo militar e a lei significou tanto a anistia daqueles que cometeram crimes políticos, aqueles que tiveram seus direitos políticos suspensos, quanto também aos agentes do estado envolvidos em quaisquer tipo de violações dos direitos humanos, tais como torturas e assassinatos. Apesar da lei ser um marco na história brasileira com relação ao início da redemocratização, ela é também muito criticada por perdoar os crimes cometidos neste período ditatorial e impedir de certa forma, o julgamento e a condenação dos militares.

“Os eventos de 8 de janeiro de 2023 tiveram como foco não só a invasão de lugares físicos e simbólicos da democracia, a depredação e o vandalismo do patrimônio público em Brasília, como também um claro objetivo golpista conforme apuração da Procuradoria Geral da República. Assim, como historiadora, enxergo essas manifestações como um reflexo das permanências da Lei de 1979: uma abertura democrática “lenta, gradual e segura”, feita de “cima para baixo”, comenta a professora.

Para o vereador Henrique do Cardume (PSOL), crimes como a tortura não podem ser anistiados. “Por isso, as convenções internacionais dizem que não podem ser anistiados. Ou seja, pedir a responsabilização de torturadores é algo justo e correto”, defende.

A vereadora Mariana Janeiro (PT) também destacou a importância da justiça. “O filme Ainda Estou Aqui emociona ao mostrar a luta por memória, justiça e verdade. No Brasil, não podemos esquecer o que aconteceu em 8 de janeiro. O povo foi às ruas para dizer que não aceita anistia para quem atacou a democracia. Como defensora da democracia, reforço: sem justiça, não há democracia plena. Os responsáveis precisam ser punidos para que essa história não se repita.”

Já Madson Henrique (PL) concorda que o Brasil brilhou no Oscar, mas tem uma visão contrária sobre as manifestações. Para ele, os protestos contra a anistia dos envolvidos no 8 de janeiro revelam um critério seletivo na defesa dos direitos humanos. “Se for no passado, é abuso autoritário; se for no presente, é justiça? Interessante esse critério flexível para a defesa dos direitos humanos. A mensagem parece clara: se a perseguição política aconteceu há décadas, revolta-se; mas se acontece hoje e contra meu opositor, bem feito”, critica.

O professor de Filosofia do Direito, Walter Celeste, avalia que a proposta de anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro dificilmente avançará, pois, segundo ele, trata-se de uma medida oportunista para beneficiar o ex-presidente. Além disso, ele destaca o impacto do filme Ainda Estou Aqui no debate público e sua recepção polarizada.

Walter observa que, inicialmente, setores da extrema-direita tentaram boicotar a produção, mas, diante do grande sucesso do filme, parte desse grupo mudou de discurso. “Eles são ligados à ditadura militar e historicamente contrários à cultura. Se dizem patriotas, mas, na prática, fazem críticas fortes aos valores brasileiros”, afirma.

O professor também aponta que apesar das tentativas de rejeição, algumas figuras da direita passaram a incorporar o filme às suas narrativas, reinterpretando sua mensagem. “Vi analistas afirmando que a obra pode ser lida como uma denúncia contra o chamado ‘arbítrio do Judiciário’, dentro do discurso da ‘ditadura da toga’. Ou seja, o impacto foi tão grande que, mesmo sem romper totalmente com a polarização, o filme conseguiu dialogar com diferentes espectros políticos”, explica.

Walter Celeste é Professor e Doutor em Filosofia do Direito pela USP. Arquivo pessoal
Walter Celeste é Professor e Doutor em Filosofia do Direito pela USP. Arquivo pessoal

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