Tenho uma certa birra de datas comemorativas. Dia da Mulher, Dia da Abolição, dias disso e daquilo. Penso mesmo que, quando elegemos uma data, é porque o desrespeito acontece em todos os demais dias. E isso é significativo para mim, já que diariamente minha equipe e eu lidamos com feminicídios e agressões contra as mulheres. Então, que dia é esse mesmo que a gente não é agredida, morta ou violentada?
Tirando essa acidez - causada em parte pelo impacto da morte daquela jovem de 17 anos em Cajamar nesta última semana - eu honro as mulheres, a ancestralidade, a minha equipe feminina, a minha diretora-presidente e minha filha. Honro porque, ao contrário dos meus maravilhosos parceiros homens, as mulheres é que dão conta de tudo. Do trabalho, da casa, da vida, dos filhos e ainda guardam um tempo para serem apoiadoras de seus parceiros.
Causas e condições se juntaram para que eu trabalhasse somente pra gente muito boa, gestores competentes e ávidos pelo trabalho feminino. Todos me disseram que preferem trabalhar com mulheres, que elas são mais dedicadas, organizadas, donas de entregas pontuais e duras. São homens que já ultrapassaram as metas ESG e têm, no time, mais de 60% de mulheres. Normalmente, são jovens bem formadas, lindas e ávidas por conhecimento. Tiro meu chapéu para elas.
Mas é dureza, eu bem o sei. E é dessa dureza que eu gostaria de falar. Somos duras porque não tínhamos tempo a perder. Nossos pais eram ávidos por formarem melhor suas meninas, mas não reconheciam o trajeto futuro. E haja inteligência emocional para deixar filho doente em casa, ou no hospital, para trabalhar aos finais de semanas em que as crianças queriam mãe. Dureza por abrir mão de relacionamentos para fazer uma nova pós no México. Ou abrir mão de si pela empresa. Tudo isso faz parte do universo feminino, mas não passa pela cabeça dos homens. Eles não precisam abrir mão de nada.
E é por isso que a gente fica mais dura, inflexível e exigente. Se eu pudesse dar um conselho a estas novas profissionais, diria para conciliarem mais. Ou para não tentar conciliar. Se a maternidade não é importante, tudo bem deixar para lá. Se é importante, legal fazer uma programação para dar pausa na carreira ou diminuir jornada. Bom é juntar dinheiro logo no início da carreira para fazer escolhas melhores depois. Trabalho é parte de nossa felicidade ou infelicidade, às vezes.
Somos o que somos. Peguem leve com si mesmas, mas exijam ambientes igualitários em casa e nas empresas. Ao menor sinal de machismo, denunciem. Não se cobrem tanto e façam pausas. Nem que sejam agendadas. Nos intervalos acontecem a melhor música, o insight, a vida.
Eu? Aproveito a quaresma para meditar e me dedicar ao budismo. Ali me encontro com a necessidade de exercitar a compaixão para me distanciar da raiva do cotidiano que ainda massacra as mulheres. Sem esta educação, não conseguiremos enxergar como promover um mundo mais equânime. Que no próximo Dia das Mulheres estejamos discutindo políticas públicas de acolhimento e não esse viés água-com-açúcar, de flores e bombons, que podem adoçar o dia, mas não garantem a vida de almas femininas.
Ariadne Gattolini é jornalista e escritora. Pós-graduada em ESG pela FGV-SP e editora-chefe do Grupo JJ de Comunicação