Escrevo este artigo vendo desastres climáticos por todo país, incluindo o litoral de São Paulo, com centenas de desabrigados, além de um acidente aéreo em Ubatuba, que teve a chuva como elemento de piora das condições de pouso. Tragédias anunciadas, como sabemos. A ONU estima mais de 70 milhões de pessoas desabrigadas no hemisfério Sul do planeta por conta da tragédia climática. A ONU prevê este desastre há mais de uma década e o que fizemos desde então? Quase nada.
O Brasil sofre com ocupação de terra desregrada desde sempre. Nossos primeiros colonizadores faziam suas casas às margens dos rios, o que era ótimo para a logística, mas péssimo quando havia inundação. Ao longo dos séculos, muitos córregos foram canalizados, muitos rios tiveram seus cursos naturais desviados e essas intervenções urbanísticas trazem seus reflexos assim que as chuvas começam. A verticalização excessiva, o asfalto e a falta de áreas verdes dentro das cidades, corroboram para o caos.
Preciso falar ainda da incompetência do Estado ao conter habitações nas encostas, em áreas de preservação ambiental, áreas de proteção permanente (ao lado de rios e nascentes) e tantas outras besteiras que vemos crescer no Brasil desde a década de 40. Sem falar no desmatamento desenfreado, no interesse escuso da agropecuária espúria e sem comprometimento ao ESG e às medidas internacionais de mitigação. E aqui cabe parênteses – o desmatamento ocorre por pequenos e médios produtores, pois os grandes conglomerados do agro sabem que serão punidos na Comunidade Europeia se tiverem seu gado em área de preservação ambiental ou com envolvimento em incêndios criminosos. E isso pode significar barreiras comerciais extensas para o agronegócio brasileiro.
E, para não bastar às nossas misérias, esgoto clandestino no Guarujá causa enormes prejuízos à saúde pública, no estado mais rico do país. O Marco do Saneamento Básico, lei aprovada em 2024, deve melhorar a nossa pífia situação: somente 63% dos lares brasileiros têm esgoto. Ou seja, não resolvemos nem mesmo uma situação tão precária como a falta de esgoto, imaginem se conseguimos mitigar os riscos das chuvas.
Planos audaciosos existem. O governo da Bahia tem um dos melhores planos de mitigação climática, que inclui o deslocamento de população vulnerável, descarbonização, responsabilização sobre fontes de água e maior uso de transportes com energia limpa. Acompanho, com interesse, o desmembramento dessas metas em projetos de fato.
Mas, a vontade política precisa ser urgente. É urgente que se façam as mitigações antes da tragédia. Tirar as pessoas das áreas alagáveis, aumentar o represamento de águas, assim como modernizar sistemas de comporta. Aumentar a permeabilidade da cidade. Diminuir o desmatamento e apoiar nossos agricultores para permanecerem na terra. Descarbonizar é outra ação que melhora nossas condições climáticas. O transporte público precisa ser eficiente e limpo. E vamos ter de estabelecer limites para o uso do carro.
Não estamos treinados para tragédias. As Defesas Civis, tão importantes nesta ação, estão sem equipamentos e funcionários. Além disso, falta treinamento efetivo para ações emergenciais de larga extensão. Temos poucas aeronaves, poucos veículos anfíbios e não temos planos contingenciais, por exemplo, para a alimentação de pessoas em áreas alagadas, em grandes proporções. Ou encaramos que a tragédia já começou ou ainda viveremos uma pandemia climática pior do que as mortes provocadas pela covid-19.
Ariadne Gattolini é jornalista e escritora, pós-graduada em ESG pela FGV-SP e editora-chefe do Grupo JJ
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