O surto de virose que tomou conta de Guarujá nas últimas semanas de 2024 trouxe à tona um problema antigo e negligenciado: a falta de planejamento e regulação em períodos de alta temporada turística. Com o aumento expressivo no número de pacientes nas unidades de saúde daquela cidade, como a UPA Enseada e o PAM Rodoviária, foi necessário reforçar equipes e ampliar a infraestrutura para atender à demanda, o que obviamente afeta a vida dos moradores locais. O episódio revela como as políticas públicas em vigilância sanitária e epidemiológica continuam frágeis no Estado de São Paulo e em todo o Brasil. A situação evidencia a ausência de uma atuação mais coordenada entre os entes federados, que deveriam trabalhar juntos para estabelecer medidas preventivas, especialmente em locais onde o turismo se intensifica durante períodos específicos do ano. Enquanto cidades litorâneas, como Guarujá, enfrentam o desafio de acomodar o aumento exponencial de visitantes, os municípios turísticos do interior paulista poderiam aproveitar, no bom sentido, o caos que caracteriza as praias no fim de ano para se consolidar como alternativas viáveis e atrativas. Isso exige não apenas a criação de políticas públicas voltadas à promoção do turismo, mas também investimentos em infraestrutura e planejamento estratégico para acolher turistas de maneira organizada e segura.
É igualmente necessário que a população reveja sua postura ao planejar férias, especialmente após a dolorosa experiência da pandemia de covid-19. As famílias, em especial aquelas que viajam com crianças e idosos, precisam pesquisar os destinos com mais cuidado, verificando não apenas as atrações turísticas, mas também a rede de apoio à saúde disponível. Ações preventivas, como buscar informações sobre as condições sanitárias e a capacidade de atendimento médico local, são fundamentais para evitar situações de vulnerabilidade. Não basta reclamar da sorte ou lamentar fatalidades; a responsabilidade é compartilhada entre o poder público e os cidadãos.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 196, estabelece que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantido por meio de políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças. Contudo, o que temos observado na prática é uma lacuna significativa na regulamentação que conecte turismo e saúde pública. É necessário que estados e municípios, especialmente os que recebem grande fluxo de visitantes, adotem legislações e práticas que contemplem o planejamento de contingências para períodos de alta temporada, mecanismos mais rigorosos de fiscalização sanitária e a obrigatoriedade de divulgação das condições da rede de saúde pública e privada nos destinos turísticos.
O surto de virose no Guarujá não é um fato isolado; ele é reflexo de uma série de falhas estruturais que continuam a colocar em risco não apenas turistas, mas também as comunidades locais. Sem mudanças efetivas na forma como o turismo e a saúde pública são geridos, tanto pelo Estado quanto pelos municípios, estaremos fadados a enfrentar problemas semelhantes no futuro. Este é o momento de aprendermos com essas situações, de fortalecer a prevenção e de avançar em políticas que protejam a população e promovam o desenvolvimento regional das locais turísticas do nosso Estado de maneira sustentável e responsável.
Marcelo Silva Souza é advogado e consultor jurídico (marcelosouza40@hotmail.com)