OPINIÃO

Pai

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No domingo pp foi comemorado mais um Dia dos Pais, idealizado no ano de 1953, com a ideia do publicitários Sylvio Bherinh que, aos 14 de agosto preparou um concurso para homenagear três tipos de pais: com maior número de filhos, o mais jovem e o mais velho. Na ocasião, foram premiados um pai com 31 filhos, outro com 16 anos e, por último, um pai com 98 anos.

Neste ano de 2024 o dia recaiu no 11 de agosto que, no meu caso, não pude cumprimentar o meu por 63 vezes, porque ele nos deixou no dia 06 de outubro de 1961, cuja data foi muito marcante e eu tive o desgosto de presenciar o acidente de trabalho (morreu eletrocutado) e queda fatal, cuja imagem permanece nítida em minha memória.

Ele era funcionário dos Correios e em companhia de outros colegas se dirigiram a cidade de Vinhedo, pois ali haviam identificado um defeito nas linhas do telegrafo.

Ele (meu pai) estava muito animado, pretendia aproveitar a viagem para comprar dois bonés de palha (um para meu irmão e outro para mim). Em razão disso resolveu me levar. Lá chegando instalou a escada e deu início aos trabalhos. Recomendou-me que permanecesse sentadinho na guia. Em determinado momento passou por ali um caminhão de cor laranja, indagando de um restaurante nas proximidades. Como os demais não sabiam, perguntaram a meu pai que estava no poste.

Nas duas chamadas ele não respondeu, ocasião em que resolveram movimentar a escada quando caiu a meu lado, que, por muito, cairia sobre mim até porque não fazia uso de qualquer equipamento de proteção individual que nem era exigido naquela época.

Eu contava com apenas sete anos de idade. Imaginem o estrago não só pessoal/psicológico mas para toda a família, porque ele esbanjava saúde, contando com 37 anos de idade e minha mãe apenas 35, com cinco filhos com 11; 9; 7; 3 e 1,8 anos de idade.

Até a trágica passagem por este Plano, eu sempre estive ao lado dele e me lembro de fatos com nitidez absoluta, como por exemplo, ajudar na construção de uma barra para exercícios; balança; um monjolo; plantação, cuidado e colheita de uma pequena horta; consertar rádio; subir em pé de pêssego; recolher ovos no galinheiro; consertar fusível (trocando fio de chumbo); construir antena para rádio enrolando arame no cabo do martelo; isso com somente sete anos de idade.

A vida com ele foi muito marcante e os especialistas afirmam que se constrói o caráter de uma pessoa até os sete anos de idade. Nesse ponto, asseguro que ele era muito rigoroso, firme, trabalhador, brincalhão; honesto, amoroso, muito família e, juntamente com minha mãe, transmitiu esses dados com reflexos até os dias atuais.

Dessas passagens lembro de um brinquedo que ele preparou ao prender em duas latas uma linha, chamado telefone sem fio. Até ali tudo bem. Só que pediu que eu ficasse ao lado da casinha do cachorro e rosnasse. Com o cachorro ao lado, o resultado não foi outro, senão uma bela mordida em meu pé esquerdo (quase perdi o quinto dedo) Desesperados me colocaram no bagageiro da bicicleta e saíram correndo, de onde morávamos, defronte a antiga cadeia no bairro do Anhangabaú até o posto de puericultura na Praça da Bandeira, cuja cena ficou engraçada. Imaginem: ele empurrando a bicicleta e minha mãe correndo atrás. Ó dóóó . . . !

Lembro também que ele gostava de ouvir rádio especialmente a “Voz do Brasil” e, para isso - lembro muito bem - ficava no colo dele também ouvindo. Era adorável!

Apesar do curto período de tempo com ele, aprendi muito, inclusive a me defender e que, se por ventura brigasse ou melhor, apanhasse na rua, chegando em casa apanhava de novo!

A perda dessa pessoa na minha vida, nas condições em que ocorreu, deixou marcas inegavelmente, profundas, impondo trabalho com tenra idade, experimentar dificuldades de toda espécie, dentre elas dormir com fome e, de certa forma, obrigou a luta pela sobrevida, dentre a qual por conforto maior a minha mãe, que só conseguimos após a conclusão do meu curso superior, portanto, mais de trinta anos para reconhecimento do acidente de trabalho e remuneração compatível e de direito dela!”

Chegar até aqui não foi nada fácil não! A benção Pai.

Eginaldo Honorio é advogado, doutor Honoris Causa e conselheiro estadual da OAB/SP (eginaldo.honorio@gmail.com)

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