DROGA

Uso indiscriminado e dependência: zolpidem volta à ‘tarja preta'

Por Nathália Sousa |
| Tempo de leitura: 4 min
Reprodução
O zolpidem era inicialmente usado para tratar a insônia por curtos períodos, mas começou a ser usado por mais tempo e cada vez mais
O zolpidem era inicialmente usado para tratar a insônia por curtos períodos, mas começou a ser usado por mais tempo e cada vez mais

O zolpidem é um medicamento geralmente usado por pessoas com insônia, mas que não pode ser tomado por muitos dias e nem em doses elevadas. Hoje, porém, acontece o contrário. Há pessoas dependentes da droga para dormir e até tomando muitos comprimidos de zolpidem ao dia. No Brasil, o uso de zolpidem virou epidemia e a Anvisa precisou adotar medidas mais restritivas para o acesso à droga. Desde maio, qualquer medicamento contendo zolpidem deve ser prescrito por meio de Notificação de Receita B (azul), o que faz com que o medicamento seja considerado ‘tarja preta’ e o acesso seja mais difícil, assim como era quando chegou ao Brasil, na década de 1990, antes de ter flexibilização.

A Anvisa adotou a restrição por causa do aumento de relatos de uso irregular e abusivo do zolpidem. A análise conduzida pela Anvisa demonstrou um crescimento no consumo dessa substância e a constatação do aumento nas ocorrências de eventos adversos relacionados ao seu uso. Além do uso abusivo por pessoas com insônia, pessoas com ansiedade também começaram a tomar zolpidem. Além disso, há quem faça uso recreativo dos comprimidos.

E as mulheres são maioria. Uma pesquisa publicada na revista JAMA Internal Medicine, nos EUA, diz que, em 2015, as mulheres foram quase duas vezes mais propensas que os homens a tomar zolpidem.

PRESSÃO

Ginecologista, João Bosco Borges explica que essa propensão pode estar relacionada ao fato de que mulheres também são a maioria entre ansiosos. "Não está bem claro por que mulheres são mais sensíveis a esse distúrbio, mas, pensando no social, o homem sai cedo, volta à noite e é tido como provedor. A mulher também, mas cuida da casa, dos filhos, então é mais sobrecarregada e tem mais depressão, ansiedade.”

Para João Bosco, o caso do zolpidem está atrelado também ao fator social. “ No terceiro mundo, a mulher hoje faz as funções de casa e ainda é 50% da renda familiar, além de existir também a mãe solo, que provém a casa integralmente. Então não há um amparo social, jurídico, continuamos sendo uma sociedade arcaica. Isso explica a epidemia, essa mulher tem outra realidade de quem mora na Suíça, na Itália, na Noruega, onde há divisão real de funções e não tem preocupações com desemprego, renda insuficiente, crianças que precisam de atenção porque os pais passam pouco tempo em casa.”

A partir daí, surgem os distúrbios e o zolpidem é tido como solução. “Pais têm pouco tempo para dormir e, quando deitam, às 23h para acordar 5h, estão acelerados. Isso leva ao zolpidem, a pessoa fica pilhada o dia inteiro e precisa dormir, então usa aquela droga. Hoje o Brasil tem a epidemia do uso indiscriminado de zolpidem. A pessoa precisa dormir, mas essas drogas estão matando, estão lesando.Temos que pensar no social, senão vamos discutir drogas para o resto da vida", alerta.

Bosco explica que a restrição é necessária, porque, até então, qualquer médico poderia receitar o medicamento, não havendo necessidade de ser psiquiatra ou neurologista. “Tem gente que, após dois anos de uso, toma três comprimidos de uma vez para dormir. E estão aumentando relatos de quem deita para dormir e faz um monte de coisa, sai de carro, faz compras, volta para casa e no dia seguinte acorda sem se lembrar do que aconteceu, não sabe quem fez as compras.”

SOLUÇÕES DIFÍCEIS

O ginecologista diz que o problema não pode ser resolvido apenas com medicação, quando na verdade ele continua lá, é apenas “mascarado” pela droga. “Quando falo de câncer de mama, uma das discussões de prevenção é o estilo de vida, assim como é com a ansiedade. É lindo na teoria, fazer academia, higiene do sono, dieta adequada, mindfulness, ioga e acupuntura. Só que essa mulher moderna precisaria dormir mais cedo, se afastar das telas, que afetam a produção de melatonina. Mas a mulher, aos 40 anos, já tem diminuição de melatonina, não consegue ter sono profundo, aquele que desinflama os neurônios, só tem sono superficial, sem sonho, algo que não descansa o cérebro. Demora para dormir e, se não usa nada, não dorme. Se usa algo, tem efeitos colaterais e dependência.”

Para o médico, as cápsulas de melatonina são uma boa opção para que haja indução ao sono. “A melatonina é uma boa forma para melhorar o início e a qualidade do sono, mas, para quem já usou zolpidem, a melatonina já não faz efeito. A melatonina que se toma tenta repor a melatonina que o cérebro recebia naturalmente com a escuridão. Hoje temos a luz do sol e à noite a luz branca e as telas. Isso piora a qualidade de vida.”

E, caso a pessoa se adapte a outras substâncias naturais, é preferível que sejam usadas. “Quando recebo mulheres no climatério, que relatam dificuldade para dormir, tem kava, trevo vermelho, derivados do mundo natural. Não têm evidência científica, mas prescrevo porque algumas mulheres relatam melhora, existe o efeito placebo. Tem mulher que relata melhora com fitoterápico à base de soja, outras tomam passiflora e gostam. Sua cabeça entende como um medicamento para dormir e não é uma droga que causa dependência, mas a evidência é baixa. Já a melatonina, tem mais estudos publicados”, recomenda.

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