OPINIÃO

Não era amor, era dopamina!


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Mandamentos da neurociência : não usarás o nome dopamina em vão!

Você já deve ter ouvido falar em dopamina. Ela é o neurotransmissor, em nosso sistema nervoso, que basicamente regula nossas escolhas e o nosso comportamento. Mas é também ela que nos mantém de pé. Através de suas inúmeras interações no encéfalo, para que o leitor tenha uma ideia, sem dopamina não conseguiríamos, por exemplo, sequer levantar da cama. A completa falta de dopamina é uma das responsáveis, inclusive, pelo desenvolvimento da doença de Parkinson.

Neste artigo quero chamar a atenção para os inúmeros equívocos que vem sendo propagados nos últimos tempos, a título da popularização do nome dopamina e seus erros interpretativos, sobretudo por pessoas que não são neurocientistas ou especialistas da área da neurociência.

Tenho deparado com vasta literatura que repete a saga de obras literárias que se utilizam de um mote, um tema, para justificar um certo barateamento do discurso e oferecer uma fórmula para resolver problemas humanos complexos de forma rápida.

No momento em que escrevo esse texto, acabo de deparar, em uma rede social, com a oferta de um curso ministrado por uma jovem filósofa que se propõe a ensinar mulheres, no contexto dos relacionamentos sexo afetivo amorosos, como funcionaria, supostamente, o comportamento do lovebombing, uma demonstração exagerada de interesse, logo nos primeiros dias, com seguida carga excessiva de declarações apaixonadas onde, consolidada a fase da conquista, ocorre o desaparecimento súbito da pessoa. Tais atitudes segundo a influenciadora digital, seriam provocadas pela carga de dopamina. E essa então explicaria porque sistematicamente pessoas se deixam envolver por situações dessa natureza.

Minha crítica se direciona ao equívoco da estratégia, desde o argumento até as construções todas que derivam dele. Ao tentar responsabilizar um único neurotransmissor por toda a mazela comportamental que envolve inúmeras camadas que compõem a sua realidade, tem-se o combo completo do, não apenas estreitamento de repertório como o enfraquecimento da discussão e consequente afirmação do viés do atalho fácil.

Sem entrar no mérito da explicação do papel verdadeiro da dopamina e como ela funciona, pois toda ou quase toda a informação a respeito pode e deve, ser pesquisada em vasto material já divulgado e dissecado em fontes idôneas, caso necessite compreender melhor, ela só não pode ser usada de forma irresponsável e leviana.

Vítimas de lovebombing existem sim e não são poucas! Este comportamento nocivo, consciente ou não, provoca e promove inúmeros estragos, incluindo níveis de sofrimento psíquico altíssimos e devastadores às vezes.

Jamais se deve subestimá-lo. Mas, também não é tão difícil de compreender que, todo padrão que se repete precisa ser investigado a fundo em nós pois, o buraco é muito mais embaixo, sempre.

Sugiro que a gente possa jamais perder de vista a capacidade de sempre, sempre, sempre a toda vez, desconfiar de tudo o que nos oferece soluções fáceis para quaisquer problemas complexos.

Por hora, deixo o leitor com a seguinte sentença sobre se era amor: não era dopamina, era a sua dissociação cognitiva!

Márcia Pires é Sexóloga e Gestora de RH (piresmarcia@msn.com)

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