Lembrei-me dele hoje. Não sei por que, mas sua figura, sua cara de criança, seu jeito de sorrir, de brincar, de falar. Lembrei-me dele hoje. Não só nos seus quatro ou cinco anos, quando começou a brincar na rua de terra em frente de casa. Fernandinho me substituiu como "café com leite" nas brincadeiras de pega-pega, mãe da rua, lenço atrás, esconde lenço, balança caixão. Confesso que já estava cansado de correr pra ser pego, mas ninguém queria me pegar por ser "café com leite". E quando Fernandinho, vizinho meu, e irmão do Adilson Fratesi que já brincava com a gente na avenida São Paulo, na Vila Progresso, lá pela segunda metade da década de 1950, entrou no grupo, fiquei livre do "café com leite". Não sei por que, mas me lembrei dele hoje. Tardes de sábado, íamos andar de bicicleta por bairros distantes. Começamos pela Vila Rami, depois Ponte São João. Num belo sábado, decidimos ir ao Caxambu. Entre morros, barrancos e caminhos esburacados, desisti! Sentei à beira do caminho e o esperei voltar. Não demorou mais que dez minutos. Meus 12 anos de idade denunciavam este tempo. Construíamos grutas no quintal de nossas casas, fazíamos lagos, criávamos engenhocas para fazer a água circular pelo lago dentro da gruta, sem atingir a imagem de Nossa Senhora de Lourdes. Nos tempos de Natal percorríamos a cidade, visitando presépios para ver novidades. Afinal, o pai de Fernando, seu Antonio, era exímio montador de presépios. Colocava monjolo, moinho, iluminava todo o ambiente e eu e Fernando curtíamos isso, comentando detalhes da montagem. Mas o pai de Fernando teve morte subida. Problema cardíaco. Desses que acabam com a vida sem pedir licença. Exatamente igual a meu pai... Fernando casou, mudou-se para outro bairro. Fiz o mesmo anos depois e mudei de cidade. Depois de 15 anos voltei para Jundiaí, mas já não tinha mais contato. Um belo dia - não tão belo, mas um dia... - fiquei sabendo que foi embora. Recebeu a herança do pai e partiu da mesma maneira. Sem se despedir. Não sei por que, mas me lembrei dele hoje. É que existem amigos que aparecem na vida da gente sem pedir licença, estacionam, conversam, trocam ideias, fazem planos, projetos, mas a vida - sempre ela - muda o traçado, afasta as pessoas que partem sem dizer pra onde vão... Incrível lembrar de um amigo de infância e adolescência... Não faz muito encontrei seu irmão Adilson. Falamos sobre Fernando, lembramos de uma crônica que fiz, falando de seu pai Antonio montando presépio, fiz outra falando da gruta da Vila Arens que surgiu e desapareceu. E agora, não sei por que, me lembrei dele! Talvez porque ele deve ter se lembrado de mim onde quer que esteja...
Nelson Manzatto é jornalista (nelson.manzatto@hotmail.com)