OPINIÃO

25 de abril de 1984

20/04/2024 | Tempo de leitura: 3 min

Ao ser aprovado na Universidade Federal de São Carlos, um tio exclamou que eu moraria na "cidade vermelha". Até então, tinha simpatia pela direita, o contato com diversas correntes comunistas criaram-me um desdém ainda maior pela esquerda. Só passei a simpatizar pela esquerda após converter-me católico frequentando a Igreja de São Sebastião seduzido pelo som daquele órgão maravilhoso.

Assim que cheguei a Catanduva, vindo de São Carlos, para a Páscoa, fui à reunião da Juventude do PMDB. Não compactuávamos com as negociações dos mandachuvas que elegeriam o Tancredo Neves pela eleição indireta, precisávamos protestar. Creio que a ideia foi do Paolo Dias: fazer um enterro do Congresso Nacional!

Começamos a "convocar" todos os progressistas de Catanduva. Os mais velhos já diziam: "eu vou, mas nós seremos presos". Jovens que éramos, não tínhamos medo e sabíamos da necessidade do risco pela "causa".

Acompanhei o Paolo e ajudei-o a construir o esqueleto do caixão, em pouco tempo a urna imaginada pelo Paolo tomava forma. Sentimos uma ponta de orgulho pela "obra" e pela participação no momento político. Coube ao Paolo revestir aquele esqueleto de papel amarelo, que era a cor das Diretas-Já.

E assim foi, no dia 25 de abril de 1984, uma Quinta-Feira Santa próximo das 17 horas, concentramo-nos na Praça 9 de Julho, municiados do caixão, da faixa de protesto, de um surdo que retinia a cada dez segundos e de rojões. O temor da polícia e, consequente prisão tomou conta dos "adultos". um dos nossos jovens, o mais alto (1,95 m) e forte, sentou-se na lanchonete, começou a beber e de lá não arredou pé, tremia da cabeça aos pés.

Contei umas dez pessoas, bastaria apenas um camburão... Iniciamos a descida da rua Brasil sob o olhar incrédulo das pessoas que passeavam, trabalhavam ou compravam. Incrivelmente, nenhum policial na rua. Ao chegar à rua Paraíba, perto do final, e sem que ninguém fosse preso, os populares entraram no "enterro", inclusive alguns políticos do partido do Maluf (ex-ARENA, não me lembro como se denominavam naquela época).

Esquecemo-nos de avisar a imprensa e, até mesmo, de registrar o ocorrido com uma fotografia... O Maluf perdeu as eleições indiretas para o Tancredo. Mas, a "traição" do PMDB ao movimento das Diretas-Já foi imperdoável, um golpe fatal que esfriou os ânimos e extinguiu a Juventude do partido.

Cinco anos mais tarde, venci os preconceitos e aproximei-me do PT, onde reencontrei o entusiasmo. Partido que me custou preconceito, rejeição e, até mesmo, sabotagem profissional. Mas jamais desanimei. Até que encontrei "petistas" desonestos que me ameaçaram e me puseram para fora do partido.

Bem, na vida nada pode ser perfeito. Assim como o verdadeiro amor não consiste ver e viver apenas o que seja bom, na construção de uma poderosa nação temos que aceitar também os defeitos e permanecer do lado para ajudar a construir um mundo melhor. E, podem apostar, é melhor viver lutando para melhorar o mundo do que ser um empecilho. Que todos tenham sempre uma boa noite de sono e com bons sonhos. Se tiver a consciência tranquila!

Mario Eugenio Saturno é Tecnologista Sênior do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e congregado mariano (mariosaturno@uol.com.br)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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