OPINIÃO

A obscenidade na obra de Francis Bacon

23/03/2024 | Tempo de leitura: 3 min

Na programação de 2024, o MASP (Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand) apostou nas narrativas LGBTQIAPN+. De todas as exposições que fez até agora, essa parece ser a mais importante, pois trata-se de uma abordagem muito peculiar de um artista que mudou a história das representações homoafetivas, o artista Francis Bacon (1909-1992).

Inaugurou ontem com imensas filas de visitantes que apreciam suas obras.

Imagens retorcidas, como se fossem resultado de um processo absolutamente estranho e mental, as obras de Francis Bacon, um dos pintores mais prestigiados e mais caros do mundo, estão reunidas pelo olhar dos curadores, que através das 24 pinturas apresentam esse mundo intrincado e complexo de sua arte.

Bacon ganha fama a partir de seu trabalho "Três Estudos para Figuras na Base da Crucificação" (1944), onde carpideiras aos pés da cruz são representadas em formas bizarras, animalescas e humanas. Para o crítico de arte John Russel, a crucificação na obra de Bacon é um "nome genérico para um ambiente no qual o dano corporal é infligido a uma ou mais pessoas e uma ou mais outras pessoas se reúnem para assistir", o que muitos outros mestres antigos visitaram esse tema: de Michelangelo a Picasso, dos surrealistas a Grahm Sutherland.

Sua história se confunde com sua pintura: durante a exposição de sua primeira grande retrospectiva, em 1971, seu amante George Dyer se suicida em seu quarto de hotel. Na inauguração, Bacon friamente se mantém impassível, cumprindo as exigências do evento, e mantém, sem divulgar o suicídio, com a ajuda de seus assistentes e do gerente do hotel. O corpo foi ocultado por 2 dias. Nada foi divulgado.

Russell (1919-2018) relata que nos dias do funeral e subsequentes, Bacon, completamente perturbado, teve um auto controle que poucos poderiam aspirar. Mais tarde, para aplacar sua dor, ele pintou uma serie de retratos sombrios de Dyer e uma série de três "Trípticos Negros".

Uma obra de complexidade única e peculiaridades idem, falar sobre Bacon requer conhecimento extenso e profundo sobre ele e conhecimento das obras que ele usa como referência para trabalhar. Sua obra "Pintura" (1946) onde predomina uma carcaça de boi inteira em uma composição com outros elementos foi inspirada a partir do boi esfolado de Rembrandt, e o retoma em forma impressionante e impactante.

Na atual exposição: "Francis Bacon: A Beleza da Carne", a análise das obras sobre o olhar queer apresentada, os curadores Adriano Pedrosa, Laura Cosendey e Isabela Ferreira Loures, falam que os críticos lembram que a homossexualidade não era permitida no pós guerra. Suas obras sobre essa visão queer, especialmente com seus amantes, sempre foram apresentadas de maneira semipública, no fundo da galeria. A obra "Homem de Azul I" (1954) é um desses importantes momentos da tensão entre mostrar e não mostrar. Um retrato de um homem em um ambiente obscurecido, debruçado sobre um balcão como em um espaço de Pub, insinuando o flerte, a troca de olhares, o "cruising".

Bacon foi expulso de casa por seu pai em 1926, ao ser flagrado aos 16 anos usando roupas intimas da mãe. Foi pra Londres e sobreviveu com a mesada que a mãe lhe dava, de encontros com homens e pequenos furtos. A partir dos anos 30 inicia sua carreira artística.

Uma pintura com carga trágica que tem na própria história a justificativa para motivar uma imensa produção queer, agora já ao alcance de todos no MASP. A exposição vai até dia 28/07, de terça a domingo, das 10h às 18h.

Eduardo Carlos Pereira é arquiteto e urbanista (edupereiradesign@gmail.com)

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