OPINIÃO

Sobre a dor dos outros

21/03/2024 | Tempo de leitura: 3 min

Os jornalistas Derik Toda, Fábio Diamante e Robinson Cerantula, em 15 de março, na SBT – News na TV, fizeram uma interessante matéria sobre o médico que se veste de palhaço para ajudar dependentes químicos na Cracolândia. O Dr. Flávio Falcone é psiquiatra formado pela USP e, segundo ele, assumir personagem o ajudou a aproximar os usuários do tratamento. Antes, com jaleco branco, era visto como autoridade. Trabalha com redução de danos e recuperação social.

Segundo ele, "o palhaço representa o erro, a imperfeição, o defeito e, na teoria do riso, o riso está justamente no erro. A gente ri do palhaço porque ele tropeça e não porque está andando direito. Os moradores de rua são as pessoas erradas da nossa sociedade, então uso o palhaço porque causa identificação imediata, inconsciente inclusive. Represento o lado que eles expressam na doença, e também represento o lado da saúde".

No fluxo da Cracolândia, no centro de São Paulo, ao lado de sua companheira Mafalda, o médico vai aos poucos conquistando a atenção do dependentes químicos, com atividades de recreação como show de calouros. Construído o vínculo, ele começa a sua abordagem terapêutica.

Sobre sua experiência profissional afirma: "O caminho da recuperação é individual, peculiar de cada pessoa. Tem pessoa que tem um caminho de recuperação, tem gente que vai sair e nunca mais vai usar droga. Tem gente que vai sair e vai usar maconha. É uma estratégia de redução de danos para tirar essas pessoas do uso compulsivo, que pode ser a grande solução para a Cracolândia".

Faz-me bem ler sobre exemplos como esse: o de enxergar a dor do outro e se colocar a serviço. Como disse Santa Teresa de Calcutá: "O que eu faço é uma gota no meio de um oceano. Mas sem ela, o oceano será menor".

Acompanho o "Retiro Online com os Carmelitas Descalços da Província de Paris, com o tema "Pela Cruz à Luz/ Não há redenção sem efusão de sangue. / Aquele que pratica a verdade vem para a luz".  As meditações, além da Palavra de Deus, possuem reflexões do Padre Jacques de Jesus (1900-1945), nascido na França. Em janeiro de 1943, acolheu três garotos judeus. Em 15 de janeiro de 1944, a Gestapo prendeu os três meninos e o Padre Jacques. Ele percorreu um longo calvário em diversos campos de concentração. Ao ser liberto, estava esgotado e faleceu no hospital de Sainte-Élisabeth de Linz. Aqueles que conviveram com ele nos campos de concentração, crentes e não crentes, testemunharam como seu coração e seu ser eram inflamados de caridade. Mostrava o triunfo da Vida sobre a morte, a vitória sobre o mal. Para todos tinha uma palavra de esperança e acolhimento, um aceno de Deus.

Na quarta semana do Retiro do Carmelo, há uma colocação do Padre Jacques que me chamou demais a atenção: "À medida que nos unimos a Cristo, que Deus vem a nós, Cristo Deus nos fala dos outros: como quereis que sejamos seus amigos e que Ele nos fale de outra coisa, senão da imensa dor dos outros, das multidões?" Em seguida, a colocação encontrada em São Mateus (9, 36): "Vendo as multidões, Jesus compadeceu-se delas, porque estavam cansadas e abatidas como ovelhas sem pastor".

Fica claro, para mim, que a verdadeira intimidade com Jesus leva a uma atitude concreta diante dos cansados e abatidos.

Maria Cristina Castilho de Andrade é professora e cronista (criscast@terra.com.br)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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