OPINIÃO

A única coisa

17/03/2024 | Tempo de leitura: 3 min

“A única coisa que vale a pena no mundo é a educação”, escreveu no século II um adepto desse verdadeiro culto: Plutarco. “Tudo o mais são bens humanos e pequenos, e não merecem ser buscados com grande empenho. Os títulos nobiliárquicos são um bem dos antepassados. A riqueza é uma dádiva da sorte que a tira e a dá. A glória é instável. A beleza é efêmera; a saúde, inconstante. A força física decai, vítima da doença e da velhice. A instrução é a única das nossas coisas que é imortal e divina. Porque só a inteligência rejuvenesce com o passar dos anos, e o tempo, que tudo arrebata, dá sabedoria à velhice. Nem sequer a guerra, que tudo vare e arrasta, como uma torrente, pode tirar de ti o que sabes”.

Se todos os humanos se conscientizassem desta verdade, o mundo seria diferente. A vã imortalidade está ao alcance de todos por meio da cultura, da palavra e dos livros. Livros, estes amigos tão desprezados. São aqueles que nos conduzem por caminhos inimagináveis, nos transportam sem cobrar passagem, sem exigir passaporte, vacina ou “visto” de entrada.

Entretanto, o brasileiro pouco lê. É um dos povos menos letrados do planeta. Nossa vizinha, Argentina, tem mais bibliotecas do que bares, farmácias e templos. Invocá-la hoje não é bom exemplo? Mas em termos de cultura, de exercício da cidadania, ela ainda mostra como é que o povo deve reagir a desmandos.

Quem lê está muito à frente de quem não lê. A História o comprova. Houve um homem de memória prodigiosa. Eram tempos em que ainda não havia os livros como hoje os conhecemos. A sabedoria estava nos rolos de papiro, de certa forma frágeis e, com certeza, difíceis de serem manuseados.

Seu nome era Aristófanes de Bizâncio. Embora seu pai fosse comandante de mercenários e gostaria de que ele o seguisse, Aristófanes preferiu as viagens imóveis. Escolheu as múltiplas vidas imaginárias que um leitor tem à sua disposição.

Um dia houve um concurso de poesia em Alexandria. O rei convidou seis personagens ilustres da cidade para formarem o Júri literário. Faltava apenas um, para se chegar ao número ímpar. Lembraram-se de Aristófanes. Ele foi convidado. Os sete jurados ouviram os poetas declamando. Enquanto alguns aplaudiam e lançavam exclamações ruidosas, Aristófanes permaneceu em silêncio. O rosto impassível. Deixou os demais deliberarem e não discutiu os critérios.

Ao final, pediu a palavra para dizer que todos os candidatos eram farsantes, menos um. Para comprovar, entrou na biblioteca da Alexandria, que foi a maior do mundo, conduzido exclusivamente pela memória, localizou todos os rolos nos quais encontrou os poemas recitados pelos concorrentes. Identificou, um a um, palavra por palavra, as poesias com as quais os plagiários queriam concorrer.

Esse episódio foi relatado por Vitrúvio e comprova que o plágio e os escândalos entre intelectuais sempre existiram. Mas o importante é mostrar que só a leitura, atenta e serena, constante e determinada, é que pode fazer com que alguém conheça o mundo. Pois o mundo está retratado na obra de quem se deteve a analisa-lo e quis partilhar com eventuais leitores aquilo que viu e como entendeu o que viu.

No momento em que o Brasil ler mais, ele será diferente. Para melhor. Haverá uma cidadania atenta a descalabros. Haverá maior respeito à dignidade humana. Haverá a compreensão do que realmente vale a pena. E tudo isso se consegue mediante educação de qualidade.

José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Municipal da Mudança Climática de São Paulo (jose-nalini@uol.com.br)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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