OPINIÃO

A crise da arbitragem paulista

13/03/2024 | Tempo de leitura: 3 min

Para quem vive e respira a arbitragem paulista, o "relógio dos anos" não deixa dúvidas: temos 20 anos de atraso na formação dos árbitros.

Quer uma prova disso?

Qual a idade dos árbitros que "seguram o rojão" dos clássicos? Vinícius Gonçalves, Raphael Claus, Flávio de Souza e até o veterano Luiz Flávio de Oliveira: beirando 45 anos.

Qual a idade dos árbitros que "estão sendo jogados aos leões?" João Vitor Gobi, Matheus Delgado Candançan, Fabiano Monteiro dos Santos: a partir dos 25 anos...

Cadê os árbitros maduros, na casa entre 35-38 anos, idade ideal para conciliar a juventude física, a experiência na carreira e a vivência do meio? Não temos. Não foram formados. Não se revelou ninguém.

Árbitros na casa dos 25 anos deveriam estar tendo as primeiras oportunidades na 3ª divisão, ficando dois anos por lá, subindo para a A2 e depois dos 30 começarem a apitar a série A1. O juiz de futebol que tem uma carreira solidificada não surgiu do nada, ele foi trabalhado aos poucos. Começa novinho, apitando Sub 15, Sub 17, Sub 20 e depois de algum tempo vai estrear, enfim, no futebol profissional. Mas o grande problema tem sido: há árbitros "parrudos", "vistosos", "bonitões", que acabam tendo oportunidades melhores, pois ficam bem no vídeo (cadê os juízes baixinhos, magrelos ou não-bombados? E quantos negros nós temos em evidência?). Um outro aspecto é o político: quantos árbitros que são de cidades que não têm equipes de futebol profissional, e que acabam tendo oportunidade para serem "atrações" em seus redutos? Sim, a geopolítica entra no esporte, principalmente se existir um deputado forte na região... E o principal: você aprendia apitar na Várzea, nos Campeonatos das Penitenciárias, nos "Projetos Cingapuras", mas hoje você inicia a sua carreira em um gramado sintético bem cercado e protegido, e pouco tempo depois começa a aprender a apitar no Morumbi, no Allianz, na Vila Belmiro ou na NeoQuímica Arena. E deveria ser o contrário: para estar num clássico em grande estádio, o árbitro deveria ter anos de formação! Já apitado a A1 em diversos confrontos entre grandes e pequenos para chegar ao grande jogo da vida, o clássico (qualquer que seja ele) bem maduro.

A última grande turma de árbitros, estou muito à vontade para dizer isso, foi formada pelo saudoso Professor Gustavo Caetano Rogério. Tinha como auxiliares Antonio Cláudio Ventura e orientador de assistentes Édie Mauro Garcia Detófoli. Foi na virada dos anos 1990/2000. Eu me recordo das nossas aulas no antigo prédio da Avenida Brigadeiro Luiz Antonio, quando uma emissora de TV foi fazer uma reportagem sobre a Escola de Árbitros, e a chamada foi: "aqui estão os árbitros do ano 2000", a qual o Prof Gustavo chamou de "Nova Safra". E essa nova safra começou em 95/96 com Sálvio Spinola, Paulo César de Oliveira, Anselmo da Costa, e 96/97 com Cleber Wellington Abade, Rodrigo Braguetto, Marcelo Rogério e pouco depois Wilson Luís Seneme. Sou testemunha, pois estava lá nesse meio. Faltava escudo FIFA para tanto árbitro paulista bom! E os daqui faziam as finais dos principais estaduais Brasil afora.

Hoje, quase 20 anos depois, vemos que a distância dos árbitros que estão apitando é justamente a mesma do período em que o Professor Gustavo deixou a FPF. Ou seja: o hiato de falta de árbitros se deve às más gestões de dirigentes de arbitragem.

Pudera: todos os anos temos centenas de alunos na Escola de Árbitros, pagando valores altos para estudarem, nem sempre vocacionados, mas que se tentará peneirar um ou outro nome. Não é na quantidade que se alcançará qualidade, mas no trabalho árduo de observação de talentos (muitos, apitando jogos amadores e sem dinheiro para bancar a Escola de Árbitros da FPF).

Rafael Porcari é professor universitário e ex-árbitro profissional (rafaelporcari@gmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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