OPINIÃO

A doutrina da simpatia

22/02/2024 | Tempo de leitura: 3 min

Não se está a falar naquela qualidade de se dar bem com todos, que hoje se costuma chamar e empatia. É uma outra conotação, extraível de muitas obras, dentre as quais o livro "Moral e Direito na Doutrina da Simpatia", de Luigi Bagolini. Na verdade, um estudo analítico da ética de Adam Smith.

Para Smith, a virtude resulta de uma espécie de conformidade da ação com a razão. Mas não é aquela razão e raciocínio no sentido apriorístico e dedutivo. Os princípios gerais, que nos inspiram a adotar valores fundamentais, resultam da experiência indutiva. Como funciona? Primeiro se observa a enorme variação de casos particulares e chega-se à situação em que alguns deles agradam, outros desagradam nossas faculdades morais. É a coleção reiterada desses procedimentos que fornece as regras gerais de conduta.

Aqui entra a simpatia, fornecida pelo princípio simpatético, antagônico ao princípio egoístico. Exemplifique-se com a dor que sinto diante da morte do filho de um amigo. Tal sentimento não deriva sempre, direta e exclusivamente, da consideração do que eu teria sentido se tivesse perdido meu próprio filho. Sou influenciado pela representação daquilo que eu sofreria se de fato estivesse na situação alheia. Através da minha imaginação, permuto o meu próprio caráter com o caráter alheio. Minha compaixão não surge da representação de alguma coisa que se refira diretamente a mim, mas unicamente da representação de alguma coisa que concerne a outrem.

Dessa explicação de Smith, que não é facilmente apreensível, se conclui que a aprovação ou desaprovação moral não são emoções irredutivelmente distintas de qualquer outra espécie de emoções. A cada juízo de aprovação moral, experimenta-se um sentimento singular. São tão variadas as reações, que é impossível nelas descobrir um conteúdo sentimental e emocional comum. Isso vai se refletir sobre a estrutura emocional e sentimental da valoração.

"Simpatia", para Adam Smith, adquire um significado mais amplo do que o de "piedade" e de "compaixão". Em certo sentido, a piedade e a compaixão vêm a se as especificações da simpatia. A participação simpatética verifica-se sempre, mas não exclusivamente, na piedade e na compaixão.

A simpatia é um processo no qual entram: 1. A representação mental da situação alheia; 2. A atitude emocional e imaginativa que consiste em se colocar na situação representada. E a imaginação que o espectador tem de se colocar na situação da pessoa que é objeto de sua observação, corresponde à possibilidade dessa pessoa – como de qualquer outra pessoa – de se colocar na situação de espectador em relação às suas próprias ações.

Mais singelamente: julgo a mim mesmo com a mesma balança com que julgo meu semelhante? Essa reversibilidade bilateral entre a posição de espectador e a de observado, é o fundamento psicológico da sociedade. Se a sociedade subsiste, embora aos trancos e barrancos, significa que a tendência psicológica individualística e desagregadora não é bastante forte para desequilibrar a bilateralidade simpatética.

Não parece estar faltando, ao Brasil de nossos dias, levar em consideração a doutrina da simpatia de Adam Smith para que todos nós, humildemente, nos colocássemos no lugar daqueles aos quais criticamos sem piedade e sem compaixão?

José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e autor de "Ética Geral e Profissional" e "A Rebelião da Toga" (jose-nalini@uol.com.br)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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