OPINIÃO

O Reinado de Momo

21/02/2024 | Tempo de leitura: 3 min

Posso dizer com convicção e orgulho que sou um folião. Comecei a curtir o carnaval com meus 15, 16 anos de idade. As quatro noites no Clube Jundiaiense. E como curtia. Sempre adorei as marchinhas, as fantasias, o clima de alegria que contagia desde sempre as pessoas nesse período.

Quando tinha 17 pra 18 anos, sócio do então Gabinete de Leitura Ruy Barbosa, conheci, numa tarde de sexta pré-feriado de carnaval, o Refogado do Sandi. Umas 200, 300 pessoas acompanhadas por uma banda de metais e percussão que fazia um percurso a pé, sem som amplificado. Os foliões entravam nas lojas, tiravam os vendedores para dançar. Muitos bancários e advogados, em suas camisas e ternos, acabavam se entregando à farra, num percurso curto e divertidíssimo. E à frente disso tudo, um senhor vestido de Branca de Neve: Erazê Martinho, grande amigo de meu avô Nino. Fiquei encantado com aquilo tudo e prometi para mim mesmo que faria parte do Refogado.

E desde então nunca faltei. E sempre fantasiado. cada ano diferente: faraó, bicheiro, Fidel, Bispo, judeu ortodoxo, árabe, sultão, mexicano tentando pular o muro do Trump, padre Kelmon....

A bandinha saiu do chão e subiu num caminhão de som. Cada vez mais pessoas aderiram àquele movimento todo. O Erazê se foi, mas seu espírito sempre está ali.

Com o passar do tempo, outros blocos surgiram, cada um com uma característica diferente, em outros locais da cidade. Confesso, porém, que só o Refogado me atrai. Até porque ali deixo toda a energia possível. Eu não vou em outros, mas acho muito legal quando movimentos populares espontâneos nascem e preenchem de alegria carnavalesca as pessoas que deles participam.

Como é bacana ver as famílias saindo de casa para curtir juntos um bloquinho.

Como é animador ver as pessoas rindo e curtindo aqueles momentos, juntos, sem individualismos e sem interesse.

Ou era para ser assim. Infelizmente, os seres humanos conseguem distorcer tudo. Mesmo as ideias mais puras e inocentes podem se transformar em armas ideológicas, dependendo de seus usos.

E o Brasil tem passado por poucas e boas nesse movimento mundial de polarizações que parece contaminar tudo e todos. Em todos os lugares. Até mesmo aqui na nossa Terra Gentil. A verdade é que o Carnaval de rua tomou proporções gigantescas nas cidades brasileiras. Ou seja, não é uma exclusividade daqui. Basta olhar, por exemplo, para São Paulo: em 2024 foram 536 desfiles.

Em 2000 havia apenas o Refogado do Sandi em Jundiaí. Esse ano foram 9 em diferentes lugares da cidade. E é importante atentar que a logística envolvida em eventos como esse não é brincadeira. Envolve Trânsito, Segurança, Cultura, Serviços Públicos e tantos outros agentes. Não é simples, infelizmente. Não pode ser tão simples, pois é necessário pensar nos foliões e nos não-foliões, às vezes mais impactados por eventos como esses.

O Reinado de Momo deve contemplar os seus súditos mais fiéis, mas não pode esquecer das hordas de pessoas que não gostam de aglomerações. Até porque, desafortunadamente, um número considerável de foliões não consegue agir com civilidade, educação e respeito para com os bens públicos e privados.

Sim, foliões, organizadores e o poder público podem e devem auxiliar movimentações orgânicas de pessoas e auxiliar para que os Carnavais sejam cada vez melhores. Cada um com sua responsabilidade. Cada um com seu papel.

Samuel Vidilli é cientista social (svidilli@gmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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