OPINIÃO

De que valem as vontades?

11/02/2024 | Tempo de leitura: 3 min

Nós humanos, pensamos que "querer é poder". Nossa vontade se impõe e nos achamos onipotentes. Nem sempre aprendemos que tudo é relativo. E que a breve jornada que nos é concedida percorrer neste planeta, se submete a imponderáveis fatores. Nossa vontade, quase sempre, pouco significa. É algo que não sobrevive àquilo que não depende de nós.

Todos possuímos infinitos exemplos de completo esvaziamento da vontade, ainda que declarada, formalizada, inserta em acervo cartorial. Um deles é o suficiente para nos lembrar de nossa impotência.

Em 26 de julho de 1927, Anna de Queiroz Telles compareceu como doadora, para uma escritura lavrada no Livro 274, fls. 88-verso, do 1º Tabelionato de Notas, sendo Tabelião Aldo Neves Godinho. O cartório situava-se à Rua das Palmeiras, 353 e seu telefone era 67.61.85.

A donatária - quem se beneficiaria dessa doação - seria a Mitra Metropolitana de São Paulo, cujo Arcebispo era Dom Duarte Leopoldo e Silva. O objeto da doação: terreno à rua do Rosário, 47, antigo 29, da freguesia e distrito de paz de Jundiaí, com vinte e dois metros de frente e vinte e quatro de fundo para a rua Senador Fonseca, onde também faz frente. Esse imóvel continha construções.

Anna de Queiroz Telles doou o imóvel e todas as construções e mobiliários, para o fim de manter às suas expensas as duas escolas que ora funcionam em dito imóvel, mas estipulou condições. O imóvel não poderia ser alienado, por qualquer forma, nem tomado por dívidas de qualquer espécie, nem trocado por qualquer outro fim e títulos, ficando, porém, a outorgada donatária obrigada a incorporá-lo, com tudo o que nele se contem, "sob as mesmas condições da presente doação, ao patrimônio do Bispado de Jundiaí, uma vez que venha este a ser criado". A diocese de Jundiaí surgiu em 1967, quando Dom Agnelo Rossi nos trouxe aquela dádiva preciosa, ainda pouco reverenciada, que foi a vinda de Dom Gabriel Paulino Bueno Couto, nosso primeiro Bispo.

Ali funcionavam duas escolas, destinadas à instrução e educação religiosa de meninos e meninas de Jundiaí. Estipulou a doadora que as Escolas teriam o nome "Francisco Telles", compreendendo seção feminina e outra masculina e seriam dirigidas por irmãos - e de preferência pelas irmãs de Vicente de Paula, que tinham sua Casa Matriz em Geisgcem, na Bélgica.

No salão principal, a outorgada donatária ficaria obrigada a colocar os retratos do Tenente Francisco Antonio de Queiroz Telles e de D. Gertrudes Angélica de Queiroz Telles, pais da outorgante. Além disso, deveria rezar anualmente, por alma deles, quatro missas, a saber: uma no dia 2 de julho, outra no dia 10 de outubro e outras duas no dia 2 de novembro. As duas primeiras deveriam ser todos os anos anunciadas nos jornais da cidade.

Além disso, dispunha que a festa da Primeira Comunhão das crianças realizar-se-ia anualmente no dia 29 de setembro, data natalícia da finada mãe da outorgante doadora. Impôs-se à donatária a obrigação de custear todas as despesas de manutenção das escolas e da conservação e melhoramentos dos bens doados, de sorte que as escolas existentes e em pleno funcionamento não se extingam por falta de recursos.

Por óbvio, os bens doados não poderiam ter outro destino a não ser o que constitui o objeto da doação. Se fosse obrigada a extinguir as escolas, os bens deveriam ser empregados em outra obra humanitária, em benefício das crianças de Jundiaí, mas deveriam conservar o nome. Fixou-se até que os padroeiros da casa seriam São Francisco de Assis e Santa Gertrudes, a Grande.

Por aquela Escola Paroquial "Francisco Telles" passaram gerações de jundiaienses. Só isso justificaria sua preservação como patrimônio histórico. Agora, sejamos honestos: será que a vontade da doadora foi integralmente observada?

José Renato Nalini é Reitor, jundiaiense nato e foi aluno da Escola Paroquial "Francisco Telles" entre 1953 e 1956 (jose-nalini@uol.com.br)

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1 COMENTÁRIOS

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  • VIVALDO JOSE BRETERNITZ
    13/02/2024
    parece que não....