OPINIÃO

Carnaval, poesia e recordações

11/02/2024 | Tempo de leitura: 3 min

O carnaval em nossos dias não tem a mesma intensidade e os encantos de tempos passados, embora permaneça a grande festa popular do povo brasileiro. Tanto que existiam concursos de marchas e a cada ano, novas e boas composições surgiam para animar os foliões, algumas ingênuas e muitas ricas em poesia e ritmo. Desde "Abre Alas" de Chiquinha Gonçalves em 1900, surgiram canções de excelente nível como "Máscara Negra" de Zé Ketti, "Bandeira Branca" de Herivelto Martins, "Marcha da Quarta-Feira de Cinzas" de Vinicius de Moraes e Carlos Lira; "Allah-La-Ô" de Haroldo Lobo e mais inúmeras, que tocavam em bailes e blocos. Muitos desses últimos ainda delas se utilizam e também os poucos bailes de salão, preservando-as felizmente, tornando-as inesquecíveis. Destaque também para diversos sambas e marchas-rancho dos desfiles da escolas.

Também poesias foram inspiradas "no reinado de Momo". Em "O outro carnaval", Carlos Drummond de Andrade assim se expressou: "Fantasia,/ que é fantasia, por favor?/ Roupa-estardalhaço, maquilagem-loucura?/ Ou antes, e principalmente,/ brinquedo sigiloso, tão íntimo,/ tão do meu sangue e nervos e eu oculto em mim,/ que ninguém percebe, e todos os dias/ exibo na passarela sem espectadores?". O brilhantismo desse escrito revela a grandiosidade que o carnaval despertava nas pessoas, a tal ponto de confundirem realidade com fantasia, interligando-os por aspirações e desejos. Assim, os versos também são partes integrantes de sua estrutura, não só nas composições típicas, mas também nas inspirações dos autores.

Efetivamente nossos poetas exaltam, analisam, comparam, criticam e reverenciam os dias carnavalescos. No entanto, mantém em suas obras o encanto que provocavam muito mais no passado do que hoje. As pessoas se despiam de seus pudores, de suas posturas sérias e de posições frustrantes e tentavam superá-las pelo menos nos momentos de alegria, de desafios, de atrevimento, mas principalmente de brincadeiras sadias e busca por paixões passageiras, sendo que muitas se consolidavam na permanência. Vinicius de Moraes em seu "Soneto de Carnaval" já dispunha: "E vivemos partindo, ela de mim/ E eu dela, enquanto breves vão-se os anos/ Para a grande partida que há no fim".

Certamente os versos não se distanciam dos festejos, embora os coloque até como retratos de momentos não tão felizes, às vezes pela rapidez de sua duração, mas o que vale é o estado de espírito de cada folião, carnavalesco, sambista ou daquele que só o assiste, em participação discreta, variando cada qual da empolgação à emoção, da frieza à malícia, do desprendimento ao total envolvimento. "No delírio, porém ,da febre ardente/ Da ventura fugaz e transitória/ O peito rompe a capa tormentória/ Para sorrindo palpitar contente" ("A Máscara" de Augusto dos Anjos).

Pessoalmente sempre gostei do Carnaval. Quando adolescente já curtia as matines e os bailes carnavalescos do Grêmio CP. Cheguei a integrar a escola de samba "Se Morrer Não Faz Mal", com sócios dessa agremiação e saia nos desfiles de rua. Era outra época e sempre encontrávamos algum aspecto romântico que o deixava ainda melhor. Sem contar nas amizades que nasciam nos grupos enriquecidos com competições de melhores fantasias. Uma grande felicidade às vezes interrompida por alguns goles a mais, curados com os produtos naturais contra a ressaca (suco de tomate, sopa de cebola e outros). Um clima de harmonia contagiava todos.

Pena que atualmente tais circunstâncias são geralmente substituídas por músicas de baixo nível, muitos clubes nem enfeitam ou usam seus salões nessa ocasião e os indivíduos parecem estar trocando essas práticas espontâneas por um período de mero feriadão. Restam blocos de rua, populares em essência, ricos em tradição e dotados de pura alegria. Salvam o que de melhor tínhamos na área, a simplicidade e a ingenuidade das comemorações populares. E para saudosistas como eu, a certeza de que a poesia permanecerá estritamente ligada ao período como foi outrora.

JOÃO CARLOS JOSÉ MARTINELLI é advogado, jornalista, escritor e professor universitário. Ex-presidente das Academias Jundiaienses de Letras e de Letras Jurídicas. Autor de diversos livros (martinelliadv@hotmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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