
No mundo, mais de 70 milhões de pessoas possuem alguma forma de transtorno alimentar. Entre eles, a compulsão alimentar é um problema no Brasil. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), 4,7% da população brasileira sofre de compulsão alimentar, quase o dobro da população mundial, de 2,6%.
Segundo o psiquiatra Eusébio José Gallo Junior, a condição está relacionada a gatilhos. "A compulsão não tem um fator etiológico específico. É mais frequente em pacientes com sobrepeso e obesidade, diferentemente de outros transtornos, como a bulimia, que costuma acontecer com pessoas que têm baixo peso. É mais relacionada a fatores psicodinâmicos, como as cobranças estéticas sobre a mulher no mundo contemporâneo, relações interpessoais e familiares, bullying", explica.
"A compulsão está muito associada a outros transtornos, principalmente síndromes depressivas e ansiosas. O transtorno da compulsão alimentar periódica (TCAP) tem gatilhos, geralmente o paciente sofreu alguma frustração, problema no trabalho, briga conjugal", diz.
O médico conta que o diagnóstico leva em consideração alguns fatores. "A frequência dos episódios e a reação dos pacientes que determinam. Hoje, consideramos o manual estadunidense. Na questão da compulsão, o paciente tem que ter, nos últimos três meses, pelo menos um acesso por semana, com um grande consumo em um intervalo de até 2 horas, seguido por culpa ou frustração. É diferente de chegar do trabalho, pedir um delivery e se sentir bem. É um comer pelo comer."
Para o tratamento, Eusébio diz que a minoria dos casos exige intervenção medicamentosa. "O padrão ouro na medicina não é medicamentoso, é a psicoterapia cognitivo-comportamental na maioria dos casos. Contudo, há casos em que o paciente já apresenta um sobrepeso e isso impacta na vida dele, prejudicando as relações e a qualidade de vida. Isso é um sinal para se pensar em medicar."
ACOMPANHAMENTO
Psicóloga, Aline Domiquille de Lima diz que o tratamento é multidisciplinar, com psiquiatra, psicólogo e nutricionista. "O processo terapêutico visa promover flexibilidade psicológica e encorajar a reflexão sobre os padrões alimentares e o seu próprio comportamento, oferecendo ferramentas para explorar as complexidades emocionais que envolvem a compulsão, abrindo caminho para uma jornada de autodescoberta e transformação", explica.
Ela diz que a pessoa com compulsão alimentar pode ter outras compulsões para buscar alívio. "Na psicologia, entendemos que a compulsão alimentar vai além da relação com a comida em si, pois partimos do princípio de que o 'comer' é mais um tipo de comportamento que o ser humano pode exercer. No comer compulsivo, percebemos um processo onde a mente busca alívio de emoções difíceis - como ansiedade, estresse, tristeza - através da ingestão excessiva de alimentos. Portanto, a compulsão alimentar está relacionada com a forma como lidamos com as nossas próprias emoções."
Por isso, Aline diz que é necessário abordar não apenas alimentação, mas causas subjacentes também. "Muitos podem demorar para perceber a natureza compulsiva de seus hábitos, muitas vezes normalizando padrões prejudiciais. O início do tratamento da compulsão alimentar envolve a conscientização sobre o comportamento compulsivo, o autoconhecimento do seu próprio funcionamento, como o paciente lida com as emoções, e o desenvolvimento de um repertório de habilidades para lidar com as questões envolvidas."
Nutricionista, Bruna Aprillanti explica que o acompanhamento nutricional se faz necessário por conta das mudanças de peso e deficiências nutricionais, por exemplo, que pessoas compulsivas podem ter. "O tratamento nutricional envolve entender os gatilhos de comportamentos que levam o paciente a ter essa hiperfagia, que são associadas por patologias, depressão, ansiedade, entre tantas outras. Por isso, o uso medicamentoso se faz necessário na grande maioria dos casos."
Sobre mecanismos para que a pessoa "engane o cérebro" na alimentação, a nutricionista diz que não funciona na condição, é necessário olhar para o problema. "Olhar os hábitos de vida, fazer um automonitoramento, um diário alimentar, anotar os dias de compulsão e quais alimentos estão sendo consumidos em excesso e trabalhar com estratégias que o paciente goste de praticar e se sinta menos ansioso. Por exemplo, se ele come chocolate em excesso, podemos olhar pra qualidade desse chocolate primeiro", destaca.
Bruna diz que a compulsão alimentar vem sendo mais constante nos últimos anos. "A incidência está maior nos últimos anos, muito pela pandemia. Principalmente entre as pessoas que já tinham episódios compulsivos. Quando ficamos no ambiente que gera esses gatilhos, como ficar dentro de casa, trabalhar em ambientes obesogênicos, entre outros, fica mais difícil sair da compulsão. Por isso, é importante associar ao tratamento psicológico e medicamentoso", lembra.