OPINIÃO

Arado de Deus

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Há uma colocação do Padre Fábio de Mello em seu livro "A vida é cruel, Ana Maria", que me chamou a atenção: "Sempre haverá uma sombra sob o que elegemos viver. As possibilidades descartadas criam mecanismos que nos atormentam, pois não costumamos escolher e esquecer. Escolhemos, mas deixamos a brecha por onde o que foi descartado nos espia. De vez em quando ele acena, pede a palavra, solicita ser reconsiderado".

Estava pensando nesta crônica, após uma atitude minha de covardia diante de uma situação, quando li esse trecho do livro. Deus me corrigiu na hora e a pessoa não notou. Há escolhas que também consideramos fazer por inteiro, mas nas dificuldades nos afastamos. É por uma brecha mesmo que ela pede a palavra. Inúmeras vezes já aconteceu comigo. Incomoda-me demais quando essa escolha foi a chamado de Deus e tento me iludir com: "Já fiz o que era possível". Arrogância de minha parte. O suficiente ou não é o Senhor que sabe e os meus limites se ampliam com a graça dEle.

Quando Deus chama é para cuidar de uma porção de seu povo, com essas ou aquelas enfermidades. É chamado a todos que professam a sua fé. E cuidar sem vínculo algum com o pensamento/ julgamento das plateias.

Na Missa de catorze de janeiro, no Santuário Diocesano Santa Rita de Cássia, Padre Márcio Felipe de Souza Alves, Reitor e Pároco, comentou que os Evangelhos da semana anterior falavam em curas realizadas por Jesus: do homem possuído por um espírito mau, da sogra de Pedro, do leproso, do paralítico. A lepra era uma doença que causava horror nas pessoas. Jesus estendeu a mão, tocou nele e ele ficou curado (Marcos 1, 40-45). Concluí que nada nos contamina se tocarmos as situações e as pessoas com o coração em Deus.

Depois do acontecimento, fui perscrutar o versículo 62, do capítulo nono de São Lucas. Três convidados a seguir Jesus deram uma desculpa sobre realizarem algo antes e Jesus disse: "Aquele que põe a mão no arado e olha para trás não é apto para o Reino de Deus".

São Paulo em sua Carta aos Filipenses (3, 13.14), a respeito de não ter conseguido a perfeição, escreve: "Consciente de não a ter ainda conquistado, só procuro isto: prescindindo do passado e atirando-me ao que resta para a frente, persigo o alvo, rumo ao prêmio celeste, ao qual Deus nos chama, em Jesus Cristo".

No livro "Tratado do Amor de Deus de São Francisco de Sales, (liv. 2, cap. 11), encontramos: "Nós recebemos a graça de Deus em vão quando a recebemos à porta do coração sem lhe permitir a entrada. Recebemo-la sem fruto, pois de nada serve sentir a inspiração se não se consente nela. (...)Sucede por vezes que inspirados a fazer muito não aceitamos toda a inspiração."

Manejar o arado do Senhor por regiões desagradáveis, onde as pessoas se encontram a esmo, descrentes de si, esquecidas de como é sentir a esperança. Manejar o arado do Senhor pelos becos escuros, onde a fumaça e o cheiro de álcool embriagam quem chega. Manejar o arado do Senhor em volta dos palcos gordurosos em que mulheres tristes desfilam o que sobrou de suas carnes desejadas na juventude. Manejar o arado do Senhor de acordo com a vontade dEle e não a minha.

Perdoe-me, Senhor, pelas resistências e insistências. Sacuda-me forte, para que permaneça no arado que leva ao Céu!

Maria Cristina Castilho de Andrade é professora e cronista (criscast@terra.com.br)

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