OPINIÃO

Poetas falam de amor

24/01/2024 | Tempo de leitura: 2 min

O poeta paranaense Paulo Leminski (1944/1989) escreveu: "Amor, então, também acaba?/Não que eu saiba./O que sei/é que se transforma/numa matéria-prima/que a vida se encarrega/de transformar em raiva./Ou em rima." Seu colega mineiro e mestre no ofício, Carlos Drummond de Andrade (1902/1987), escreveu o soneto "Confronto" para também tratar do amor, mas de maneira bastante diferente. Logo adiante transcrevo esse poema.

Dos temas universais, o amor é o preferido de muitos autores. Como bem se sabe, tema universal é aquele que aparece em toda época e em todo lugar. Morte, saudade, dor de cotovelo, brevidade da vida são exemplos de temas universais. Toda literatura (não necessariamente todos os autores), em qualquer lugar e época, tratou esses assuntos. O amor e seus desdobramentos, com seus antes, durante e depois, brilham nessa lista. Em território tão extenso, habitado por Antônios (de Castro Alves, Gonçalves Dias), Bandeira, Bilac, Bocage, Camões, Garrett, Gregório... faço um minúsculo recorte aleatório e escolho somente o curitibano e o itabirano para falarem do sentimento amoroso. Leminski, sempre atento ao humor, em outro poema usa um ditado popular: "Sorte no jogo/azar no amor/De que me serve/sorte no amor/se o amor é um jogo,/e o jogo não é meu forte,/meu amor?". Humor que Drummond também escolhe para embrulhar seu "Balada do amor através das idades": "Eu te gosto, você me gosta/desde tempos imemoriais./Eu era grego, você troiana,/troiana, mas não Helena./Saí do cavalo de pau/para matar seu irmão./Matei, brigamos, morremos./(...) Depois (tempos mais amenos)/fui cortesão de Versailles,/espirituoso e devasso./Você cismou de ser freira.../ Pulei muro de convento/mas complicações políticas/nos levaram à guilhotina (...)". E no já mencionado "Confronto", o humor sai de cena. Há um diálogo pouco animador entre o Amor e a Loucura, em que aquele visita esta: "Bateu Amor à porta da Loucura/-- Deixa-me entrar - pediu -- sou teu irmão,/Só tu me limparás da lama escura/a que me conduziu minha paixão". De acordo com os versos, Amor e Loucura são parentes muito próximos, e a paixão degrada, emporcalha o amante na lama. Segue o poema: "A Loucura desdenha recebê-lo/Sabendo quanto o Amor vive de engano/Mas estarrece de surpresa ao vê-lo,/De humano que era, assim tão inumano". Num primeiro momento, já conhecedora dos exageros e equívocos do outro, a Loucura faz pouco caso, mas se surpreende com o estado em que aparece o visitante. Ela exclama: "Entra correndo, o pouso é teu/Mais que ninguém mereces habitar/minha casa infernal, feita de breu". A morada da loucura carece de luz, não tem sequer um facho para iluminar qualquer caminho, para orientar o rumo a ser tomado. E quem vem merecidamente ocupar esse inferno sombrio é o Amor. Conclui a Loucura: "Enquanto me retiro sem destino/Pois não sei de mais triste desatino/Que este mal sem perdão, o mal de amar". A conclusão dos versos sentencia que a mais terrível das piraçõesé a do Amor, um dano sem remissão. Uau! Nada lisonjeiro para sentimento tão recorrente na literatura.

Fernando Bandini é professor de literatura (fpbandini@terra.com.br)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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