OPINIÃO

2024: Poupe-nos!


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Esperamos 2023 com muita confiança de que esse ano estaríamos livres da Covid-19. Desde março de 2020, fomos vendo crescer a avalanche de mortos, que - contabilizados formalmente foram cerca de 700 mil - informalmente ultrapassam um milhão.

Mas não esperamos que 2023 nos trouxesse a guerra da Ucrânia, nem o conflito Hamas-Israel, que tem ceifado vidas e trazendo intranquilidade ao mundo. Tínhamos a esperança de que a polarização decresceria, de que a experiência da pandemia nos deixasse mais solidários e que institucionalizássemos práticas exitosas como o home-office.

Houve quem pensasse que o flagelo dessa praga deixaria a humanidade mais solidária, mais fraterna e apta a encarar sua verdadeira condição: inquilina de um pequeno planeta, que aqui permanece por algumas décadas e, depois disso, mergulha no mistério.

Terrível constatar que o bicho-homem não aprende. É submetido a sofrimentos, a desventuras, mas retorna sempre convencido de que é muito especial, o suprassumo, a primícia entre as criaturas. E volta a praticar tudo aquilo que a ética abomina.

Basta verificar que 2023 foi um ano em que o desmatamento cresceu, a poluição também, a miséria se escancarou. Não há cidade brasileira em que não se encontrem seres humanos acampados nas vias públicas, morando sob viadutos ou nos baixios das construções. Em condições mais do que indignas.

O mapa da fome é impressionante. Mais de 35 milhões de pessoas estão diariamente famintas no Brasil. Aqui se matam dezenas de milhares de jovens a cada ano. O analfabetismo continua, em todos os seus aspectos: o estrito, de quem não sabe ler nem escrever, o funcional, de quem não consegue reproduzir com suas palavras o texto que mal conseguiu ler e o digital. Aquele que não tem acesso ao mundo web, que transformou a face da terra.

Nesta celebração de véspera de ano novo, que os franceses chamam, sofisticadamente, de "réveillon", vamos pedir ao Criador que 2024 nos poupe de tudo aquilo que nos afligiu e nos atormentou em 2023.

Que haja paz entre os homens, em toda a Terra. É um planeta praticamente insignificante no Cosmos. Porém, habitado por uma espécie que não consegue parar de brigar. Que haja solidariedade entre as pessoas e que cada um se condoa do próximo e tente minorar suas dores.

Que nossas crianças tenham carinho, acima de tudo carinho, mas também alimentação saudável, educação de boa qualidade, orientação segura para o enfrentamento das vicissitudes inevitáveis - enfermidades, acidentes, surpresas inesperadas e não queridas. Que nossos idosos mereçam respeito e consideração. Que sejam ouvidos, pois hoje todos só querem falar e não querem ouvir. Há um direito fundamental a ser ouvido! Ele não é observado, mas pode ser invocado e o ordenamento jurídico está aí para fazê-lo respeitado.

Poupe-nos, 2024, das mortes das pessoas queridas. Que haja menos suicídio, menos acidente, menos câncer, menos AVC, menos enfartos. E que saibamos encarar tudo aquilo que tivermos de enfrentar, com a serenidade de quem acredita que esta peregrinação não é a etapa definitiva de nossa experiência vivencial.

Seria muito triste só tivéssemos essa vida. Breve passagem e, depois, o nada. Se a criação da vida humana observou um projeto superior, se o design inteligente é mais racional do que o Big-Bang, então existe um Deus que não nos descartaria como brinquedo quebrado, assim que deixássemos de viver.

Com essa crença e essa esperança, entremos corajosos em 2024. Cada dia a mais que nos é dado respirar, nos impõe o dever de gratidão diante desta dádiva gratuita e preciosa. Feliz 2024 para todos!

José Renato Nalini é reitor de universidade, docente de pós-graduação e Secretário-Geral da Academia Paulista de Letras (jose-nalini@uol.com.br)

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