Estamos todos em marcha e um dia abriremos espaço para que alguém continue a caminhada. Nem sempre nos damos conta de que o único insumo insubstituível é o tempo. Ninguém consegue comprar um minuto a mais de vida. Quando a caminhada termina, acabou. É o fim. "C'est fini", como dizem os franceses.
Enquanto aqui estamos, nem sempre cultivamos os que se foram. Breve notícia, o pranto da família e dos mais íntimos. Missa de sétimo dia. Depois a vida continua. A tristeza foi nuvem passageira. Passamos a enfrentar outros afazeres e a cumprir novas obrigações.
Deixamos de meditar sobre aqueles que partiram, alguns com participação ativa na vida comunitária e merecedores de especial consideração.
Jundiaí perdeu pessoas como Idibal Matto Pivetta, que aqui nasceu em 28 de julho de 1931 e que se tornaria bem conhecido no Brasil. Cursou direito na São Francisco e ali, em 1969, junto com colegas, fundou o grupo "Teatro União e Olho Vivo", que se mantém ativo.
Dedicou-se à dramaturgia popular e ao teatro de resistência. Acumulou prêmios como o de melhor autor nacional da APCA – Associação Paulista de Críticos de Arte. Defendeu presos políticos durante a ditadura. Foi preso e torturado no DOI-Codi e, por causa disso, os seus textos teatrais passaram a ser censurados. Em virtude disso, teve de passar a usar um pseudônimo. Ficou mais conhecido como César Vieira.
Contou histórias do povo negro e continuou a ser perseguido, como contou seu filho Lucas Cesar de Moraes Pivetta, conhecido como Cesinha Pivetta. Para ele, o pai é a "maior referência de vida em todos os aspectos culturais, sociais, intelectuais. Um cara muito humano, solidário, fraterno. A gente conviveu de forma íntima, como dois amigos muito próximos e companheiros mesmo".
Idival trabalhou diretamente com o povo nas ruas, com o seu trabalho de vanguarda, a conciliar a arte e a luta por direitos dos mais vulneráveis. Morreu aos 92 anos em 23 de outubro último, na Beneficiência Portuguesa – Mirante, na capital.
Também há pouco falecia o médico Antonio Mendes Pereira, de família tradicional e referência na medicina jundiaiense. Soube da partida de Jocely Trivelato, que muito lutou e trabalhou pela educação. Pouco antes, Jundiaí perdia Údi Bocchino, a Maria de Lourdes, irmã do Mário Augusto e da Ana. Seus pais, D. Mary e Sr. Generoso Mário Bocchino eram um exemplo de família. Nunca me esqueço da bela residência à esquina da Rangel Pestana com a rua da Padroeira, que fora sede do Tênis Clube antes de receber os Bocchino. À entrada, um caramanchão de glicínias era uma atração quando floriam.
A cada partida, é uma parte da história da cidade e nossa própria que se vai. Oportunidade para refletir sobre o mistério da morte. Quero crer que não tenhamos sido criados para acabar de vez. Para onde vão nossos sonhos, nossos anseios, nossas angústias, nossas aflições? Tudo definitivamente encerrado?
A morte está sempre à espreita. Chega sem avisar. E é bom que assim seja. Como seria aflitivo saber qual será a hora da partida!
O mais democrático dos eventos é imparcial para com todos. Ninguém consegue se subtrair à sua chegada. E que isso nos torne mais humildes, menos pretensiosos, menos gananciosos. Capazes de valorizar o convívio e a afeição. O que sentimos em relação aos outros e o que suscitamos que outros sintam em relação a nós mesmos, é a única bagagem que poderemos levar quando chegar a nossa vez.
José Renato Nalini é reitor de universidade, docente de pós-graduação e Secretário-Geral da Academia Paulista de Letras (jose-nalini@uol.com.br)