Opinião

A mente e sua estrutura

25/08/2023 | Tempo de leitura: 2 min

Eu me lembro com muita clareza de uma conversa que tive com um colega no primeiro ano da faculdade, isso lá pelo fim do século passado (!). Em meio aos nossos estudos no laboratório de anatomia nos perguntamos quais seriam as repercussões caso a tecnologia avançasse ao ponto de conseguirmos fazer um "transplante" cerebral.

"Será institucionalização da vida eterna!", exclamou meu jovem colega de turma, "basta que troquemos de corpo quando envelhecemos, nos colocando num corpo novo e continuaremos vivendo enquanto esse processo for possível", concluiu de forma magistral.

Saindo um pouco das limitações técnicas e biológicas deste cenário, podemos utilizá-lo muito bem para algumas reflexões. Veja que meu colega tem a visão semelhante à maioria das pessoas conectadas à cultura contemporânea e ocidental, onde a consciência é um produto de um órgão específico, dentro do sistema nervoso central: o cérebro. Então, nesse ponto de vista, a mente seria um produto metabólico do cérebro tal como hormônios são produtos de glândulas como a tireoide e a supra-renal.

A visão da medicina tradicional chinesa (MTC) não é essa. Segundo ela, a nossa consciência não está focalizada em um órgão específico e nem é produto da ação unilateral de um sistema nervoso agregador e central.

A consciência, segundo esse modelo, é muito mais o produto da interação energética de cada célula do nosso corpo, podendo ser representado de uma forma mais eficaz como a integração de cinco grandes centros energéticos que encontram firmeza nos cinco órgãos maciços: fígado, coração, baço, pulmão e rins, cada qual representando um elemento etéreo que é muito conhecido entre nós aqui no ocidente (fogo, água, terra etc).

Não seria possível, então, realizar o que o meu colega sugeriu, simplesmente transferindo um órgão de um lugar para o outro como se o nosso corpo todo fosse simplesmente um veículo para o sistema nervoso central. A nossa identidade está escrita em cada célula do nosso corpo, com diferentes graus de clareza e amplitude nesta "escrita" , mas não existe nenhuma célula do nosso corpo que não seja a nossa própria identidade, irremediavelmente.

Tendo isso em mente (desculpem o trocadilho) podemos entender qual é a abordagem da MTC para os distúrbios mentais: a mente resultante da interação energética irradiada por esses cinco centros, em certos indivíduos, pode ser aberrante em relação à maioria da população e inclusive ser socialmente inconveniente.

Poderíamos falar (e muito) sobre como foi a abordagem da sociedade diante desses distúrbios mentais, o que resultou durante muitos anos em instituições dedicadas a restringir esses indivíduos, os chamados manicômios, hoje praticamente abolidos.

O tratamento energético visa equilibrar essa interação de forma que a mente resultante seja mais produtiva para o indivíduo, preservando contudo as suas características individuais. Na MTC não existem comparações com modelos pré-fabricados de saúde. A saúde (como um todo, mas principalmente a mental) é autoconhecimento e integração de si.

Alexandre Martin é médico especialista em acupuntura e com formação em osteopatia e medicina chinesa (xan.martin@gmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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