'QUE BOBAGEM!'

'O que merece ser chamado de ciência?', questiona Carlos Orsi

Por Rafaela Silva Ferreira | Jornal de Jundiaí
| Tempo de leitura: 4 min
ARQUIVO PESSOAL
Com seu novo livro, o jornalista Carlos Orsi lembra que 'conflitos entre religião e ciência surgiram em diversos momentos históricos'
Com seu novo livro, o jornalista Carlos Orsi lembra que 'conflitos entre religião e ciência surgiram em diversos momentos históricos'

Em uma sociedade cada vez mais inundada por informações, é crucial distinguir entre conhecimento embasado em evidências e ideias que carecem de fundamentos sólidos. O novo livro do jornalista Carlos Orsi e da microbiologista Natália Pasternak, intitulado "Que Bobagem! Pseudociências e Outros Absurdos que Não Merecem Ser Levados a Sério", faz exatamente isso, trazendo à tona uma análise crítica de uma ampla gama de crenças infundadas que capturam a imaginação de muitos, mas que não resistem ao escrutínio científico.

Com uma abordagem científica rigorosa, os autores examinam várias pseudociências que têm sido objeto de debates e discussões, desde psicanálise e constelação familiar até terapias alternativas controversas, como a homeopatia. O livro destaca a importância de distinguir entre informações baseadas em fatos e aquelas que são baseadas em conjecturas, especulações ou simplesmente má interpretação de dados científicos.

Ao Jornal de Jundiaí, Carlos Orsi revela como surgiu a ideia. "A Natália e eu estamos envolvidos em um movimento cético, no qual levamos informações científicas corretas para o público. Esse gênero de livro que escrevemos não é muito popular no Brasil, mas fora do país já temos inúmeros exemplares que abordam esse tipo de tema. Acredito ser importante à cultura literária brasileira se adaptar a novos estilos. Faz falta."

O livro é uma colaboração completa entre Orsi e Pasternak, que dedicaram dois anos à criação das páginas que conduzem os leitores por uma jornada questionadora no mundo da ciência. "Ao longo de um período de dois anos, dividimos as tarefas e selecionamos os temas que desejávamos explorar e questionar. A seguir, fizemos a revisão das nossas escritas", explica Carlos, sobre o processo de criação. Além disso, o autor comenta que a ideia surgiu tempos atrás, mas a Pandemia do Covid-19 atrasou os planos.

No livro, são levantados questionamentos acerca de temas como a homeopatia. Apesar de ter sido excluída do sistema de saúde de diversos países devido à falta de embasamento científico em sua eficácia, essa abordagem ainda desfruta de popularidade no Brasil, inclusive sendo regulamentada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). Em um capítulo, é mostrado que a homeopatia não é inofensiva, podendo mascarar sintomas, atrasar diagnósticos e afastar pessoas de tratamentos que realmente funcionam.

Em relação às críticas que os autores vêm recebendo quanto a isso, Orsi comenta: "São críticas construtivas. Quanto aos ataques, contra mim não vieram. São mais aquelas críticas pesadas, que são direcionadas à Natália, porque vivemos em um país machista e ela, uma mulher, abordou pseudociências que não são respaldadas por evidências científicas."

Orsi também pontua um fato curioso. "Jeancarlo Cavalcante, vice-presidente do CFM, declarou recentemente que o reconhecimento da homeopatia como especialidade médica no país pode ser revisto. Considero isso como uma reação positiva ao nosso livro."

PANDEMIA 

A pandemia desencadeou uma série de desafios e adversidades, porém também serviu de catalisador para avanços notáveis em diversas áreas científicas. Quando questionado sobre a complexidade de divulgar realizações científicas, Orsi observa que, durante esse período, o Brasil parece ter progredido consideravelmente em sua valorização da ciência. "Certamente, durante a pandemia, houve um avanço na tecnologia. Porém, acarretou também uma disputa em torno da legitimidade científica. 'O que merece ser chamado de ciência?' Uma parcela significativa da sociedade parecia minimizar o papel da ciência e boa parte de tudo isso só era encontrado em universidades. Além disso, os entusiastas da ciência estavam nas redes sociais, muitas vezes não recompensados financeiramente por suas contribuições." 

Orsi completa: "Costumo dizer que a ciência foi dividida em marcas, como a Coca-Cola. 'Legítimo e pirata', mas a grande questão é: quem merece essa 'marca'?"

CONFLITOS

No decorrer da história humana, a relação entre religião e ciência tem sido um campo fértil para debates e controvérsias. Enquanto a ciência busca entender o mundo através da observação empírica e do método científico, a religião frequentemente se baseia na fé, na espiritualidade e nas tradições transmitidas ao longo das gerações. Essas abordagens distintas, muitas vezes, entraram em conflito, mas também coexistiram de maneiras complexas e interconectadas.

Ateu, Carlos Orsi comenta sobre as narrativas da fé e as descobertas científicas. "Os conflitos entre religião e ciência surgiram em diversos momentos históricos. É um conflito que se refere a como vemos o mundo. Mas, hoje em dia, na prática, temos cientistas que são religiosos e pessoas religiosas que também acreditam na ciência. Vemos que há uma maneira de promover a compreensão mútua." Questionado sobre se uma presidência ateia poderia trazer algumas mudanças ao Brasil, Carlos diz acreditar que não necessariamente. "Se o Brasil tivesse um presidente ateu, talvez a questão do preconceito religioso fosse melhorar. Mas as relações públicas do país não seriam muito impactadas. O Brasil ainda seria extremamente religioso."

PROJETOS

Residindo nos Estados Unidos no momento, Orsi compartilha seus planos futuros que envolvem a pós-produção do livro "Que Bobagem!". Contudo, além disso, ele está cultivando uma nova ideia para um livro, que poderá em breve ganhar vida nas páginas.

"O livro irá explorar a noção de que os seres humanos podem abrigar ideias equivocadas, inclusive conceitos como o racismo e machismo, já que, embora frequentemente exaltemos nossa capacidade de realizar descobertas notáveis, tendemos a evitar reconhecer as decisões errôneas às quais a humanidade se apegou", finaliza.

Comentários

Comentários