Opinião

Além da reciprocidade

27/07/2023 | Tempo de leitura: 3 min

Uma amiga me pediu para escrever sobre: violência gera violência.

Anda exausta de se sentir humilhada, marginalizada e hostilizada, em especial por gente hipócrita. Pede a Deus para acalmar o coração com o propósito de não ficar com ódio da humanidade. Ressentida, percebe que se deixa levar pelo mal. Difícil manter o amor no coração, após levar tantos "chutes".

Disse-me que, há anos, ouviu um fato triste, a respeito de um garotinho pobre e mal visto, que tentou entrar escondido para assistir a um espetáculo circense. Foi humilhado, por funcionários, diante de outras crianças que puderam comprar o ingresso. Tão forte o ódio que o invadiu, que retornou, no dia seguinte, e incendiou o circo. Prosseguiu: "O garotinho saiu com a fama de criminoso, mas foi um ímpeto momentâneo, ao se sentir rejeitado e marginalizado, como em diversas situações. Essa tragédia destruiu várias vidas e tenho certeza de que ele se arrependeu muito e ficou destruído pela culpa".

Compreendo-a porque conheço um pouco de sua história e a de mulheres que passaram por situações semelhantes. Chega uma hora em que a pessoa cansa de ser olhada com empurrão, de palavras depreciativas, de ser ridicularizada, de ser vítima da intolerância... Algumas implodem, outras explodem e há aquelas que fogem, usando substâncias que as anestesiam por instantes. As que implodem, perdem a vida. As que explodem não encontram alguém que lhes pergunte o motivo de sua reação. As que fogem carregam dificuldade para o caminho de retorno ao equilíbrio.

Nem todos estão dispostos a ouvir e a ajudar. Veem o raso de uma caminhada de desencanto sem chegar à profundidade dos acontecimentos vividos.

Violência gera violência é uma verdade, mas não vale a pena a Lei de Talião, que tinha como lema: "olho por olho, dente por dente".

Um dia desses, recebi de meu amigo José Renato Nalini um texto do astrônomo Carl Sagan (1934-1996). "Olhem de novo para o ponto. É ali. É a nossa casa. Somos nós. (...)

A Terra é um palco muito pequeno em uma imensa arena cósmica. Pensem nos rios de sangue derramados por todos os generais e imperadores para que, na glória do triunfo, pudessem ser os senhores momentâneos de uma fração desse ponto. Pensem nas crueldades infinitas cometidas pelos habitantes de um canto desse pixel contra os habitantes mal distinguíveis de algum outro canto, em seus frequentes conflitos, em sua ânsia de recíproca destruição, em seus ódios ardentes.

Nossas atitudes, nossa pretensa importância, a ilusão de que temos uma posição privilegiada no Universo, tudo é posto em dúvida por esse ponto de luz pálida. O nosso planeta é um pontinho solitário na grande escuridão cósmica circundante. (...)

Tem-se dito que a astronomia é uma experiência que forma o caráter e ensina humildade. Talvez não exista melhor comprovação da loucura das vaidades humanas do que esta distante imagem de nosso mundo minúsculo. Para mim, ela sublinha a responsabilidade de nos relacionarmos mais bondosamente uns com os outros e de preservarmos e amarmos o pálido ponto azul, o único lar que conhecemos."

O que vale é ir além da violência dos minúsculos e fazer cessá-la, dando como resposta a Via-Sacra do Amor que Se entregou na Cruz e, no terceiro dia, Se fez Ressurreição.

Maria Cristina Castilho de Andrade é professora e cronista (criscast@terra.com.br)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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