Li, primeiro neste jornal, o relato de sessões de torturas que passaram os detentos da Unidade Prisional Agente Elias Alves da Silva, em Itaitinga, Região Metropolitana de Fortaleza, no Ceará. A denúncia foi apresentada por familiares dos presos à Defensoria Pública do Estado. Segundo os parentes, seriam frequentemente espancados, obrigados a se equilibrar com a cabeça no chão e submetidos a torções nos testículos.
Que fúria! O sistema carcerário deveria direcionar-se à recuperação dos detentos. Visitei cadeias por 22 anos, através da Pastoral Carcerária, e jamais compreendi a falta de um trabalho de investimento no que toca para o bem o coração dos indivíduos.
Lembrei-me do Sr. Jairo (nome fictício), que passou por uma das cadeias que visitava. Sua aparência impressionava. Um lado do rosto um pouco acima do outro e, na costura, uma espécie de haste. Passara pelo Massacre do Carandiru. Quando lhe retiraram a costura, pediu-nos para avaliar que tipo de metal era. Tinha esperança que fosse platina, para comercializar no futuro. Dizia-nos dos horrores pelos quais passara. Fingiu-se de morto a fim de sobreviver.
Um domingo à noite apareceu no portão de casa. Eu havia saído. Nossa mãe, assustada como era, sem saber quem seria aquele estranho, vestido de branco, foi logo dizendo: "Deve estar procurando a Cristina. À noite não atendemos ninguém. Volte amanhã cedo". Qualquer pessoa diferente que aparecesse em casa, julgava que era comigo. Não o deixou responder. Além disso, ligou na casa vizinha, pedindo para olhar se ele fora embora.
Na manhã seguinte, ele retornou e estava com uma flor nas mãos. Na claridade ela se sentia valente. Perguntou se era minha mãe. A rosa era para ela. Agradeceu-lhe a touca de tricô que lhe fizera. A primeira vez que ganhara algo para o rosto não doer tanto.
Ao contar a ela a história dele e o sofrimento pela costura, principalmente nos dias frios, fez-lhe um gorro quentinho. Quando lhe entreguei, chorou.
O alvará de soltura era do dia anterior e antes de ir para outra cidade, não queria deixar de lhe dizer o impacto que lhe causou o presente.
Creio que se deveria investir nesse lado sensível, por menor que fosse, para que a luz desse lugar às sombras. Também sou favorável a presídios com estrutura de trabalho e aprendizagem desde o primeiro dia da detenção.
A juíza Luciana Teixeira de Souza, corregedora de presídios e titular da 2ª. Vara de Execução Penal de Fortaleza, determinou o afastamento temporário de integrantes da cúpula de uma das Unidades Prisionais.
Procurada pela reportagem da Folhapress - Cotidiano, a magistrada disse não poder comentar o caso em razão do sigilo, mas afirmou que: "Quando nós defendemos, tentamos proteger a dignidade de alguém, nós estamos protegendo toda uma sociedade. Nós não estamos passando a mão na cabeça de alguém que cometeu um crime. Ele está lá, pagando na forma que o nosso país escolheu que deveria ser pago, conforme a nossa legislação exatamente diz, perdendo apenas o direito de ir e vir, a liberdade, mas nenhum outro direito".
Reconheço a dor e o sofrimento das vítimas e seus familiares, a ausência muitas vezes sentida para uma vida inteira, mas para quem busca a paz, a tortura e a vingança são inadmissíveis.
Maria Cristina Castilho de Andrade é professora e cronista (criscast@terra.com.br)