Para me dizer de concorrência, o rapaz me deteve no centro da cidade. Confidenciou que desejava me encontrar para falar pessoalmente. Recordei-me dele ainda menino atrás de uma bola colorida no terreno baldio ao lado de sua casa. A avó que cuidava dele. A mãe se enveredara pelo caminho das drogas. Aparecia, às vezes, vestida de carências, fugas e confusões interiores que não conseguia superar. Como diversos dependentes químicos, afirmava que, a hora que quisesse, parava. Não é simples assim. Existe, disseram-me alguns usuários sobre um desejo muito forte de usar a droga, que se entende por "fissura". Um querer quase incontrolável, que pode provocar atitudes agressivas e perda de equilíbrio psíquico.
Lembrei-me da moça que partiu cedo, após uma infecção generalizada. Na época, havia parado de usar. Residia na última casa de uma viela. Contava-me que, ao adentrar o local onde havia usuários, chegava a suar para conseguir se conter. Era uma luta heroica com o propósito de amadurecer o não.
Já li que essa vontade muito forte de usar a droga, pode ocorrer sob diversos estímulos, por exemplo, a visão de outras pessoas usando. No caso da moça, era o cheiro e a fumaça. No começo, até a cerração em dias de inverno a fazia querer usar o cachimbo, mesmo que fosse por uma única vez. De única em única, retornaria aos anos anteriores que tanto a destruíram.
Voltando ao rapaz, relatou-me que a mãe voltara a usar drogas. Recordou que pouco a tivera nos seus primeiro anos. Dizia que o amava demais, contudo não permanecia. Ficavam dias sem se ver e sem saber dela. Os avós eram fantásticos com ele, mas mesmo assim sentia falta da mãe. Ela comunicava-se com ele aos soluços e raras palavras. De repente, perdia-se na noite. Eram tantas as desculpas pelas ausências que em pouco tempo desacreditou de suas promessas. Os avós não a atacavam nos reclamos dele. Procuravam suprir a escassez da figura materna.
Encontrava-se no final da adolescência no regresso da mãe, decidida a não usar mais. Alegrou-se tanto! Colocara uma pedra em cima do passado. Ela estava de volta, plena de sonhos de mudança. Maravilhoso para ele dormir sem imaginar onde a mãe poderia estar e sem temores de que uma tragédia acontecesse com ela, como via nos programas televisivos. Teria orgulho em apresentá-la à namoradinha, hoje sua esposa.
Gostava de ouvir a mãe cantando, enquanto ajudava a avó nos serviços, a música do Padre Zezinho que aprendera no grupo de que participava para se firmar: "Alô, meu Deus/ Fazia tanto tempo/ Que eu não mais Te procurava/ Alô, meu Deus/Senti saudades Tuas/ E acabei voltando aqui. / Andei por mil caminhos (...) Embora eu me afastasse/ E andasse desligado/ Meu coração cansado/ Resolveu voltar. / Eu não me acostumei/ Nas terras onde andei. (...)/ Gastei a minha herança/ Comprando só matéria/ Restou-me a esperança/ De outra vez Te encontrar/Voltei arrependido/ Meu coração ferido/ E volto convencido/ Que este é o meu lugar..."
Encerrou a conversa me perguntando, com olhos lacrimosos: "Até quando terei que disputar minha mãe com as drogas?"
Por certo algum acontecimento a sacudiu e sem estrutura interior suficiente, enveredou-se para os descaminhos anteriores.
Doloroso! Rezo por eles. Haverá de voltar à sobriedade.
Maria Cristina Castilho de Andrade é professora e cronista (criscast@terra.com.br)