Opinião

Desertos vencidos

27/04/2023 | Tempo de leitura: 3 min

Um dia desses, li no Instagram "De Sociologia & Análise": "A maturidade não vem com a idade. Ela vem com os desertos vencidos". Concordo. Sem pretender julgar, mas há pessoas cujos acontecimentos de sua vida as mantiveram emocionalmente infantis. Como sofrem por não conseguirem se adaptar às verdades de sua história.

Experimentei várias vezes o deserto. O frio das noites sem expectativas de mudanças no amanhecer, abraçada em mim mesma e em busca de uma maneira de desfazer a angústia que insistia em ficar. Dor além das lágrimas. A falta de ar no calor escaldante, tentando reter a respiração com o propósito de não experimentar a realidade. Tantos momentos áridos, desoladores, sem flores nas beiradas dos caminhos. Sem paisagens que encantam. Perdas, despedidas, injustiças... Mesmo, às vezes, rodeada de pessoas, não há como habitarem o meu eu. A sede de respostas, de reencontros e abraços, todo mundo possui, mas a do outro não é a minha e a minha não é a do outro. Não deixam, contudo, de ser deserto.

Recordo-me - faz uns 15 anos - da moça que participava da Pastoral da Mulher/ Magdala. Residia em um porão gelado, sem perspectivas de mudança. Após participar de uma oficina de pães na entidade, conseguiu vendê-los com sucesso. Emocionou-se a tal ponto, por vencer seu deserto, que teve um ataque cardíaco e, três dias após, a encontraram morta em seu cantinho.

O deserto do turismo é lindo, com seus beduínos e camelos. Uma aventura incrível! As paisagens brasileiras desérticas dos Lençóis Maranhenses, de Jalapão em Tocantins, Dunas do Rosado no Rio Grande do Norte, encantam. Ah, mas os desertos das dificuldades e sofrimentos, da desolação e da aridez...

Saber do deserto me veio do filme "Os Dez Mandamentos", que foi sucesso no início da década de 60 com Charlton Heston e Yul Brynner. Impactou-me, em meus sete anos, o deserto do Sinai e a figura de Moisés, que resistiu às dificuldades e sofrimentos.

Cada um sabe de suas instabilidades, vazios, fome, sede, das secas intensas em suas entranhas, das tempestades de areia...

Testemunho, contudo, que jamais faltou um oásis nos meus desertos. Chegou no imprevisto e me trouxe Deus.

Minha amiga Cláudia Mazia, após a postagem que cito, escreveu: "E põe desertos atravessados nisso!!! Mas Deus sempre manda Reis Magos para nos encontrar nos desertos". Bonito! Os Reis Magos se deixam guiar por uma estrela que leva a Belém. No caso, nos encontram para olhar para cima e recuperar a estrela que nos guia.

João Batista pregou no deserto da Judéia e Maria, José e o Menino também atravessaram o deserto em fuga, porque o Rei Herodes queria matar o Menino.

No deserto não há eco, mas Deus murmura no coração. É o Senhor o meu Oásis.

Padre Márcio Felipe de Souza Alves insiste para observarmos os sinais, pois o Senhor caminha conosco. Padre Fábio de Melo canta: "Existe um deserto no peito da multidão/ Onde a canção que toca é o silêncio/ A alma segura nas mãos da solidão/ Mas foi no deserto que Ele venceu também".

Nos meus desertos, nada de vitimismo, tudo dos sussurros do Céu. Repito o que cantávamos quando frequentava o Movimento dos Focolares: "Muitas vezes é forte o sofrer/ e cem vezes repito o meu sim,/ bem maior é o amor,/ o amor que sinto por Ti".

Maria Cristina Castilho de Andrade é professora e cronista (criscast@terra.com.br)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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