Quase oito anos após a promulgação da Emenda Constitucional nº 90/2015 (cujo texto garante que o transporte público é um dos direitos sociais consagrados da população brasileira), nada ou pouca coisa mudou no Brasil. Segundo uma pesquisa feita a pedido da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), quase oitenta mil mortes aconteceram nas rodovias federais entre 2009 e 2019.
No mesmo período, foram registrados 1,5 milhão de acidentes. Com essa estatística assombrosa, o Brasil ficou longe de cumprir uma meta que havia sido traçada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) - que estipulava que os países deveriam trabalhar para reduzir pela metade o número de mortes em decorrência de acidentes de trânsito nesse período de dez anos já citado.
A mesma pesquisa mostra que o número de acidentes caiu, sim - mas só 26% nessa dezena de anos. Com apenas metade da meta alcançada, era de se esperar que os administradores públicos se voltassem ao tema, já que 'transporte público' é um direito social e seu fomento está vinculado às diretrizes programáticas para a manutenção de um Estado garantidor das necessidades básicas sociais. Cabe enfatizar que o tema 'transporte público' tem a mesma importância do direito à saúde e à educação.
A mudança realizada no texto da Constituição Federal, em decorrência da EC 90/2015, deveria, já, ter suscitado medidas práticas nos diversos âmbitos da Gestão Pública. Mas ainda o tema é pouco debatido no cenário nacional. Os administradores públicos estão firmemente amparados pela Constituição no tocante à busca de saídas e de alternativas que possam, pelo menos, começar a mudar este cenário de desigualdades sociais por onde também perpassa a questão dos transportes, do trânsito e da mobilidade urbana.
Transporte coletivo mais barato e trânsito seguro têm reflexo na qualidade de vida das pessoas, pois quem convive com esses assuntos são os trabalhadores e estudantes que estão quase todos os dias nas ruas.
Com a inclusão, na Constituição, do direito ao transporte, o legislador garantiu a constitucionalidade da Lei nº 12.587/2.012 (Lei de Mobilidade Urbana), dando segurança jurídica às ações de todos os entes federados referentes ao tema.
Entendo que é função da União destinar fatias substanciais no orçamento para a mobilidade urbana e o transporte público coletivo urbano. Mas, para que se tenha uma ideia, só 27% dos recursos da União aprovados para o Programa Mobilidade Urbana (que dá prioridade aos transportes públicos) foram gastos de forma efetiva por Estados e municípios, entre 2008 e 2019.
A comparação entre os Planos Plurianuais (PPAs) também deixa claro a diferença de valores previstos a cada período. Foram R$ 3 bilhões (entre 2008 a 2011); R$ 14 bilhões (no período 2012 a 2015) e apenas R$ 2,9 bilhões (entre 2016 e 2019).
A questão orçamentária está diretamente ligada a outro fato - o de que em grande parte de nossas cidades, a tarifa do transporte público é bancada exclusivamente pelo passageiro - o que não contribui para o desenvolvimento de políticas públicas na seara do transporte coletivo e a tendência é da administração municipal bancar o custo da operação, mas não o sistema tarifário - arcado pelos usuários.
O subsídio dos transportes públicos é alternativa que contribuiria de forma decisiva para a diminuição dos veículos individuais. Ainda, estimular o uso do transporte coletivo também iria ao encontro de outro grande problema que as metrópoles enfrentam: o de 'dar vida' ou estimular o convívio nas zonas centrais das cidades.
O subsídio aos transportes públicos municipais é ideia que merece ser considerada e que precisa estar no foco de nossos gestores públicos, sob pena de vermos o número de mortes no trânsito aumentar a cada dia, enquanto nossas cidades ficam engarrafadas e assistem a uma explosão de estresse ao volante.
Marcelo Silva Souza é advogado e consultor jurídico (marcelosouza40@hotmail.com)