MENTE

Demência chega sutil, evolui rápido e leva o ente ainda em vida

A doença é triste para a família e para o enfermo, pois o afasta da realidade e o degenera aos poucos, tirando o convívio e a consciência

Por Nathália Sousa | 05/03/2023 | Tempo de leitura: 4 min

Arquivo pessoal

Aparecida e Gaudencio Zorzette viajaram pelo Brasil e pelo mundo; ele lia muito e conversava sobre tudo
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No Brasil, cerca de 1,2 milhão pessoas vivem com alguma forma de demência e 100 mil novos casos são diagnosticados por ano, de acordo com dados do Ministério da Saúde. Há diversos tipos de demência, das mais conhecidas, como o Alzheimer, às mais raras, como a frontotemporal, tipo que inclusive ganhou visibilidade recente após o diagnóstico do ator estadunidense Bruce Willis.

A demência geralmente atinge idosos, com mais de 60 anos, e é degenerativa, ou seja, deteriora aos poucos a saúde do enfermo. Neste caso, tanto a pessoa que sofre do mal quanto o entorno passam por um sofrimento homeopático, que se estende.

SURPRESA

Rosana Zorzette, de 57 anos, vê o pai, Gaudencio Zorzette, de 90, sofrer com a demência ao longo de mais de uma década. "Ele teve um infarto há 20 anos e precisou usar uma medicação, mas ela foi prescrita errada e ele tomou por 10 anos, mas o correto seria usar apenas de 6 a 8 meses. Um dos efeitos colaterais do medicamento era a demência", explica.

Depois disso, mais um disgnóstico equivocado afetou o tratamento. "Percebemos os primeiros sinais, há 13 anos, quando o esquecimento se tornou uma coisa corriqueira, então levamos meu pai ao geriatra e ele foi diagnosticado com Alzheimer. Mais uma vez, houve prescrição de um medicamento errado, que não surtia efeito, pois não era Alzheimer. Depois quase 14 anos tomando a medicação errada, levamos meu pai a um neurologista que disse que era demência. Hoje meu pai está acamado, não fala, não olha para a gente."

Por conta disso, foi necessária a contratação de cuidadoras, tanto para Gaudencio quanto para Aparecida, mãe de Rosana. E a despedida acontece aos poucos desde então. "Foi um choque tremendo, meu pai foi uma pessoa muito ativa. Ele viajou o mundo todo com a minha mãe, viajou por todo o Brasil. Lia muito, todos os dias, era muito sábio, conversava sobre qualquer assunto. Tinha também muitas habilidades, é filho de marceneiro, imigrante italiano. Quando comecei a perceber os sinais, sofri um luto, perdi meu pai quando percebi que ele estava incapacitado, como se eu tivesse uma criança. Entrei em depressão e foi difícil para a família toda. Ainda é muito triste, porque não é mais meu pai ali, ele era meu tudo e de repente não está mais ali. Ele não sabe quem somos, mas sabemos quem ele é", lamenta.

CUIDADOS

Geriatra e coordenador do curso de Geriatria da Faculdade de Medicina de Jundiaí (FMJ), Ivan Aprahamian diz que há diversos tipos de demência. "Uma coisa importante é a nomenclatura. Ano passado publicamos o Consenso Brasileiro de Demências. Tem a demência senil, que ocorre a partir de 60 anos, e a pré-senil, que acontece entre 45 e 60 anos. O tipo de demência mais comum é o Alzheimer, corresponde a 60% dos casos. Depois vem a mista, a vascular, a de corpos de Lewy e a frontotemporal, que representa 5% dos casos. Dentro da frontotemporal, a afasia progressiva primária, que é a que o Bruce Willis tem, corresponde a 1% a 2% das demências diagnosticadas", explica.

A afasia, segundo Aprahamian, tira a pessoa do convívio aos poucos. "Ela envolve muito a capacidade linguística, então a pessoa perde a capacidade de nomear coisas, perde vocabulário. A pessoa fica com um discurso empobrecido de conteúdo. Isso é muito grave, porque a pessoa tem função social e tem memória, mas não entende para que as coisas servem e não consegue nomeá-las, então este paciente fica ansioso."

A demência é incurável e é difícil encontrar tratamentos efetivos. "Não tem cura nem medicamento para atrasar o avanço, requer um tratamento multidisciplinar, é degenerativa e incurável. O Alzheimer ainda tem drogas novas, tem uma que chega ao Brasil no fim do ano. Mas se a gente olhar Lewy e frontotemporal, em cinco anos a pessoa pode falecer, a degeneração é muito rápida e isso é um empecilho grande para identificar o tratamento. Não há como identificar precocemente e não há tempo hábil para um tratamento agir. Como o Alzheimer é muito mais comum, é mais fácil captar pacientes para um tratamento."

ALERTA

"Quando a gente envelhece, não é comum o comportamento se alterar, como uma pessoa que era positiva e se torna apática. Quando envelhecemos, nossa capacidade mental decai, ficamos mais lentos, mas não é normal o declínio prejudicar a convivência, a pessoa não conseguir usar o cartão, não conseguir cozinhar, isso não é normal. Se tem uma alteração da capacidade mental, do funcionamento social, tem que ser um chamariz", diz o médico sobre os sinais.

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